É voz corrente entre os chamados especialistas, e atualmente parece ao observador comum, estar a sociedade brasileira dividida, na política e também na economia, entre dois polos extremos. Os últimos julgamentos pela mais alta Corte do país revelam que o núcleo de uma dessas posições assumiu a defesa da anistia para os condenados pelo Supremo Tribunal Federal por crimes contra o estado democrático de direito e golpe de estado, dentre eles o ex-presidente da República, Jair Bolsonaro.
Os defensores políticos dos condenados almejam obter, de modo geral, perdão ou anistia para os autores da depredação ocorrida na praça dos Três Poderes, em Brasília, a 8 de janeiro de 2023 e para os gerenciadores e articuladores das medidas que, se executadas, visariam depor do Poder quem legitimamente venceu as eleições populares.
No mundo jurídico, no entanto, tal gesto não faz parte da rotina, especialmente no campo processual, e isto porque se tem concebida a ideia de que a condenação penal, de modo geral, se é imposição de medida de força praticada pelo Judiciário contra o indivíduo tido como autor do crime, através da aplicação da pena de prisão, se dá para preservação da própria vida em sociedade; em defesa dos instintos da vida.
Em outras palavras: a condenação penal é muito menos nociva do que a agressividade dos crimes cometidos pelos condenados.
Na sociedade livre e democrática não se aceitam violações de direitos, individuais ou coletivos, como algo menor e sem importância. As instituições existem para regular a ordem social que permite a convivência pacífica e salutar entre os cidadãos e não para legitimar a balbúrdia e a desordem. Os rigores das leis também alcançam os comportamentos criminosos dos incivilizados e dos vândalos, mesmo que integrem a camada social mais poderosa do país.
Neste quadro, a Constituição da República proclamou o Brasil como estado democrático de direito. Não basta, entretanto, que o texto constitucional contenha este dispositivo para termos a garantia de que vivemos em ambiente democrático nem nos podemos iludir com a existência do referido diploma como fim em si mesmo. No Brasil, a história comprova através de exemplos eloquentes a quantidade de tentativas, algumas frustradas outras não, de solapar o poder através da violência.
Na sociedade democrática, os que pretendem usar o poder para oprimir estabelecem confronto permanente com o estado de direito e espera-se que nesses embates acabem por sucumbir, prevalecendo as razões das instituições como mediadoras desses conflitos. Tal se deu no julgamento da cúpula dos que tentaram o golpe cujo objetivo era o de abolir o estado democrático de direito e a partir daí passar a exigir a submissão da sociedade a seus abusos e desvios.
Perderam.
E por isso foram condenados. Muito bem condenados.
O estado de exceção, no entanto, continua ativo, sendo articuladas logo em seguida à proclamação do julgamento, em alguns setores da vida nacional, medidas com o objetivo de impor outros golpes de estado, para apagar o papel das instituições e desfazer a decisão da mais alta Corte do país.
Não se pode perder de vista que uma das características do estado de exceção é suprimir o Poder Legislativo e o Poder Judiciário. Afinal, foram esses os alvos do 08 de janeiro. Não cabe para os condenados pelo Supremo Tribunal Federal nenhum tipo de perdão, anistia ou redução das penas aplicadas. Se passasse, seria a vitória do estado de exceção sobre o estado democrático de direito.
Leonardo de Souza Chaves é Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro e professor de Direito da PUC – RJ, colaborador especial do Relatório Reservado.