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Economia

Passivo dos precatórios pode ser um rato que ruge

7/08/2023
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Do seu jeito de fala mansa, quase pedinte, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em sua última preleção ao secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, e ao secretário a Receita Federal, Robinson Barreirinhas, deixou registrada a lembrança; “Olha, comecem a ver esse de negócio de precatório…” O recado mira em 2027, quando vence a “Emenda Caloteira dos Precatórios” – inventada por Paulo Guedes para simplesmente não pagar o passivo transitado e julgado da União e entulhada na Constituição. “Devo, não nego, pago quando puder” foi o slogan da época. Haddad não quer repetir a situação vivida pelo ex-ministro da Economia e pretende antecipar em três anos o debate de alguma solução para o problema (uma dívida de R$ 199 bilhões, na hipótese de não haver algum deságio dos precatórios). E se for ele o candidato do PT à Presidência? A moratória fica sendo uma espada sob sua cabeça.  

A fórmula, pelo que o RR pescou, seria a montagem de algum fundo, para variar. É dele que se poderia descontar o pagamento dos precatórios. Lula já disse que não aceita nem pagamentos antecipados com deságios nem encontro de contas. Mas concorda, pragmaticamente, de tirar essa fatura de dentro do arcabouço fiscal. Seria um fura-teto pré-datado para 2027. Caso contrário, os precatórios serão abatidos dos gastos discricionários do governo, com os ministros tendo que parar seus pagamentos. Seria um shutdown da máquina pública, algo nunca experimentado antes por qualquer governo brasileiro. Na boa, não vai rolar.  

Os governos são pródigos em inventar soluções de inadimplência e diferimento de impostos. E Lula e Haddad parecem ser pródigos em gerar receitas adicionais. O presidente não quer de jeito nenhum repetir Bolsonaro e dar um beiço nos credores do governo. Além do mais, ao contrário de Guedes, que foi vítima de uma barbeirada da sua equipe – seu staff, absurdamente, esqueceu-se do fator precatórios e não avisou o ministro -, Haddad está careca de saber que vai descascar um abacaxi. O prazo para encaminhar uma solução é o final do governo Lula. Haddad pretende lançar uma proposta ao debate ao longo de 2024. Explica-se a pressa: 2026 é o ano da eleição (ou reeleição), e esse não é um assunto que coaduna com o calendário eleitoral.  

Conforme já dito, o governo deverá optar pela criação de um fundo ou coisa e tal que permita a contribuição com ativos e rendimentos do governo, para daí arcar com os compromissos. Paulo Guedes achava que poderia arrecadar o expressivo valor de mais de R$ 1 trilhão em imóveis e terras, além de outro tanto com a venda de estatais. A turma da Receita não vê incongruência na venda de propriedades, leitmotiv da construção guediana. Mas os terrenos da União não geram tanto dinheiro assim: se forem colocados em um fundo, não têm liquidez; são poucas as terras disponíveis e bem valorizadas, e sob as quais não haja embarreiramento de ordem ambiental. Os demais ativos estão bastante desagiados; e alguns serão difíceis de arrancar dos seus estamentos (praias da Marinha e pistas da Aeronáutica).  

Mas digamos que um fundo árabe ou chinês, caçadores de terras pelo mundo, tivesse interesse em uma operação dessas. A expectativa de retorno máximo não seria superior a um intervalo entre R$ 17 bilhões e R$ 25 bilhões, segundo cálculos atualizados. E esse valor só seria alcançado com a venda de uma enormidade do estoque. Para formar um fundo, agora, à vera, o governo disporia de R$ 50 bilhões da carteira da BNDESPAR. Poderia arrancar também alguma antecipação de pagamento das dívidas das estatais, leia-se principalmente BNDES, além de antecipar o pagamento de dividendos das companhias do governo durante algum intervalo de tempo. Há 90% de probabilidade de Lula vetar a maior parte dessas medidas. Sobra mesmo o aumento da carga tributária. Colocar sobre alguns segmentos a responsabilidade desse pagamento. O setor de commodities, por exemplo, bem poderia participar com uma contribuição provisória. Difícil seria furar o bloqueio da bancada rural na Câmara dos Deputados, com mais de 200 parlamentares, em que pese que alguma parcela desses precatórios serão pagos ao próprio setor agrícola.  

De qualquer forma, há muitos meses para que a criatividade do fisco dê conta do desafio. Na hipótese mais simplória, a Fazenda lança uma espécie de Contribuição Provisória para Movimentação Financeira do Desenvolvimento (uma CPMFD mirando errado para acertar no alvo, o pagamento dos precatórios). Ou – quem sabe? – antecipar receita de descoberta de petróleo a futuro. Ou correlacionar de alguma forma a dinheiro trazido por Lula do exterior para outras finanalidades. Ou lança um título soberano no exterior. Depois coloca o esforço de aprovação nas mãos do presidente da Câmara, Arthur Lira, principal articulador da PEC dos Precatórios no Congresso. Quer saber, não vai ser tão difícil assim.

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