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BNDES é a ponta de lança do governo para a reestatização da Eletrobras

24/03/2023
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A gestão Lula pretende usar o BNDES como instrumento para a polêmica reestatização da Eletrobras. A ideia em discussão no governo passa pelo aumento da posição do banco no capital da empresa, seja com a aquisição de papéis em mercado, seja com a compra em bloco de ações pertencentes a outros sócios relevantes. Hoje, somando sua participação direta e os títulos na carteira do BNDES e da BNDESPar, a União detém 40,18% das ordinárias da Eletrobras. Apenas como um exercício meramente ilustrativo: a compra das ações em poder do BlackRock (5,1%) e do GIC, fundo soberano de Cingapura (6,4%), permitiria ao governo ter mais de 51% do capital da companhia – mais precisamente 51,6%. Significa dizer que a União voltaria a ser, matematicamente, a controladora da Eletrobras. Mas essa aritmética não basta. No quebra-cabeças petista da reestatização da Eletrobras, toda essa operação precisa estar encaixada com outra peça: a ofensiva do governo para modificar o estatuto da empresa.  

Conforme noticiou a jornalista Malu Gaspar, de O Globo, a Casa Civil e a AGU planejam entrar com uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI) no STF. O objetivo principal é retirar o dispositivo que limita o poder de voto dos acionistas da Eletrobras a 10% mesmo que sua participação seja superior a esse patamar. Com essa barreira, tanto faz um investidor ter 10% ou 40%: vai mandar igual. A derrubada desse teto abriria caminho para o Estado retomar as rédeas na companhia, seja como o maior acionista individual, status que já possui, seja novamente em uma posição de controle, isto é, com 50% mais um das ações ordinárias. Esse segundo cenário é um motivo a mais para o governo tentar dinamitar o atual estatuto da Eletrobras. O governo Bolsonaro criou uma “cláusula de barreira” ou uma espécie de “trava anti-PT” – como se vê, com certa dose de razão. Trata-se da pílula de veneno estabelecida no Artigo 10 do estatuto: “O acionista ou grupo de acionistas que, direta ou indiretamente, vier a se tornar titular de ações ordinárias que, em conjunto, ultrapassem 50% do capital votante da Eletrobras e que não retorne a patamar inferior a tal percentual em até 120 (cento e vinte) dias deverá realizar uma oferta pública para a aquisição da totalidade das demais ações ordinárias, por valor, no mínimo, 200% (duzentos por cento) superior à maior cotação das respectivas ações nos últimos 504 (quinhentos e quatro) pregões”. Ou seja: pelas regras do jogo em vigor, se a União ultrapassar a marca de 50% das ONs, terá de pagar três vezes pelo restante das ações. Em sua sanha reestatizante, o governo quer dar um cálice de cicuta para essa poison pill, o que lhe permitiria reassumir o controle da companhia sem ter de desembolsar uma fortuna. 

Toda essa complexa arquitetura, que vai do mercado de capitais à Suprema Corte, junta a fome com a vontade de comer. De um lado, a disposição do governo de que o BNDES volte a ser um agente de participação do Estado em empresas ou setores estratégicos; do outro, a notória intenção do presidente Lula de promover a reestatização da Eletrobras, manifestada recorrentemente durante a campanha eleitoral. O governo teria novamente uma máquina para fazer políticas públicas na área de energia. Ao lado da Petrobras, a empresa seria também uma propulsora de investimentos em transição energética. Pelo menos é a lógica petista que rege todo esse movimento. Uma lógica tão tortuosa quanto contestável, em razão dos riscos que traz a reboque. 

As manobras do governo Lula para reestatizar a Eletrobras geram automaticamente insegurança jurídica. Caso a retomada do controle da empresa se concretize, estará aberta a porteira para outros casos similares. É como se o Brasil inventasse o modelo das privatizações por temporada, que poderão valer para um determinado governo, mas não para outro. Ao mesmo tempo, a investida joga por terra a ideia de public company, que poderia ser adotada para outras estatais. Não poderia haver recado pior para os investidores, já ressabiados. Recentemente, por exemplo, surgiram rumores de que a Petrobras poderia cancelar vendas de ativos fechadas na reta final do mandato de Bolsonaro. Se há um partido que deveria se preocupar em afastar a pecha de “rasga contratos” é o PT. 

Em tempo: sob certo aspecto, o Lula III está bebendo na fonte do Lula I. Guardadas as devidas proporções, a estratégia de usar o BNDES como ponta de lança para o Estado retomar seus antigos poderes na Eletrobras remete a uma operação conduzida pelo próprio banco em 2003. Na ocasião, sob o comando do economista Carlos Lessa, o BNDES comprou uma participação de 8,5% na Valepar, holding controladora da Vale, que pertencia à Investvale – fundo de investimento dos funcionários da mineradora. Com esse movimento estratégico, à época muito contestado pelos privatistas puro-sangue, Lessa fechou a porta para uma eventual desnacionalização da companhia e até mesmo uma transferência da sua sede para o exterior. Àquela altura a Vale tinha um bloco de controle definido. A Mitsui, por exemplo, poderia assumir o mando da empresa caso adquirisse as ações em poder da Investvale. Ainda que as circunstâncias não sejam exatamente as mesmas, a Vale da vez se chama Eletrobras. E o BNDES vai voltar a ser aquele BNDES.

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