Uma lei sob medida para a valorização da dívida ativa

  • 17/01/2018
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A Lei 13.606, que faculta à União bloquear bens de devedores sem autorização judicial, a partir da sua inscrição na dívida ativa, está sendo enxergada por analistas como uma jazida descoberta pelo governo. Ao arrepio da Constituição, diga-se de passagem, conforme o parecer de diversos juristas. A “desjudicialização” aumenta o atrativo pela aquisição dos direitos de arrecadação tributária. A possibilidade simplificada do devedor “splitar” seus bens da execução judicial, além dos litígios e protelamentos, foram fatores que sempre dificultaram a criação de um mercado para a dívida ativa da União.

Desde o governo FHC, a securitização desses passivos nunca saiu da cabeça de uma miríade de economistas, tais como José Serra. A nova Lei, que permite o bloqueio de bens a partir de cinco dias da inscrição do inadimplente na dívida ativa da União, abre possibilidades ainda não calculadas de valorização dos créditos em favor do Estado. Há dúvidas, contudo, sobre a constitucionalidade da matéria. O que não chega a ser um impeditivo para que medidas juridicamente duvidosas de arrecadação sejam adotadas.

Lembre-se de que o governo se apropriou dos precatórios devidos há mais de dois anos, nos casos em que os beneficiários não reclamaram seus direitos. Ignorou, por exemplo, que diversos destes detentores de precatórios podem simplesmente não ter sido avisados pelos juízes de que foram vitoriosos nos processos contra a União. Afinal, quem tem dinheiro a receber e não quer ir buscá-lo? O fato é que o governo passou o rolo em cima de qualquer prurido constitucional.

A Lei que permite o bloqueio dos bens aumenta o poder arrecadatório do governo, mas, por outro lado, amplia o risco jurisdicional e assusta os investidores. Há quem diga que a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), a quem cabe identificar e bloquear os recursos que seriam aparteados da execução, vai se transformar em um enorme “porco farejador de trufas”, sem nenhum mau uso da metáfora. A realidade da PGFN, porém, parece ser outra.

Existem projetos de lei no Congresso para que ela deixe de exercer esse papel. Os créditos tributários seriam transformados em créditos quirografários e os direitos integrais, comercializados ou securitizados. A preocupação de alguns devedores é que o desembaraço do governo com essas questões na tênue fronteira da inconstitucionalidade de alguma maneira alcance o estoque da dívida ativa da União, que hoje supera R$ 1,4 trilhão. Medidas retroativas na área tributária nunca foram e nem são aceitáveis. Mas a verdade é que esse governo tem feito coisas inimagináveis.

#Fernando Henrique Cardoso #José Serra

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