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Indústria
Há muito monóxido de carbono nos investimentos soprados pelas montadoras
28/10/2024Talvez seja o caso de se criar uma “taxa real” para quantificar com precisão os investimentos da indústria automobilística no Brasil. Sobram artificialismos e falta transparência nas cifras anunciadas, com estardalhaço, pelas montadoras. Para todos os efeitos, o total de aportes previsto para o ciclo 2021-2032 gira em torno de R$ 116 bilhões. Essa, no entanto, é a “taxa nominal”. O que a indústria automobilística omite é que uma parte expressiva desse valor retorna ao caixa das empresas mediante incentivos fiscais. O montante não leva em consideração, por exemplo, os R$ 19,3 bilhões que as montadoras receberão em créditos financeiros entre 2024 e 2028, no âmbito do Programa Mover. Tampouco contabiliza os incentivos fiscais que certamente serão embolsados entre 2029 e 2032 – em um mero exercício matemático, mantida a média do Mover de 2024 a 2028 (R$ 3,86 bilhões/ano), esse valor seria da ordem de R$ 15,4 bilhões. E muito menos inclui o total de R$ 5,1 bilhões em benefícios tributários amealhados pelo setor entre 2021 e 2023, quando ainda vigorava o Rota 2030, programa que antecedeu o Mover. Ou seja: em uma conta simples, sem qualquer cálculo de deflação, no intervalo entre 2021 e 2032, a indústria automotiva deverá ser agraciada com R$ 39,8 bilhões em incentivos. Ou seja: mais de um terço dos R$ 116 bilhões em investimentos propalados pelo setor para o mesmo período sairá dos cofres públicos, por meio de renúncia fiscal. E a conta, ressalte-se, contempla apenas recursos do governo federal. Se computados estímulos concedidos por estados e municípios, o estoque de agrados é muito maior.
Tudo levar a crer que a curva de incentivos ao setor terá uma trajetória ascendente nos próximos anos. A crescente sofisticação tecnológica da indústria automotiva, na esteira da produção de veículos eletrificados, exigirá um volume maior de investimentos por parte das montadoras, o que, no Brasil, é quase que obrigatoriamente sinônimo de renúncia fiscal. Desde o segundo governo Vargas, ainda nos primórdios dos primórdios da indústria automotiva, as montadoras são abastecidas com recursos públicos. A última grande fornada de benefícios tributários, entre 2000 e 2021, somou R$ 69 bilhões. É um dinheiro que as empresas celebram, quando anunciado, mas escondem no porta-malas sempre que vêm a público propagandear seus projetos de expansão. A ausência de disclosure das montadoras vai além. Não se tem qualquer clareza do volume de investimentos que, uma vez anunciados, são efetivamente executados. Pode ser 100%. Mas também pode ser 80%, 50%, 40%. Vai saber…
Há outros pontos sensíveis, a começar pela ausência de métricas quer permitam calcular o retorno econômico e social dos incentivos concedidos à indústria automotiva. O governo é um credor camarada, que dá dinheiro sem grandes exigências vinculadas. Por exemplo, não há associação direta entre os estímulos fiscais e o ritmo do nível de emprego na indústria automotiva. Em outubro de 2013, o setor atingiu o pico de postos de trabalho neste século – 137 mil empregados. Hoje, esse número é de 106 mil. É bem verdade que, desde janeiro, quando do início do programa Mover, as montadoras criaram oito mil vagas. Mas a história mostra que esse é um número com alta dose de volatilidade. Ao mínimo sinal de freada na economia, as empresas do setor logo começam a deixar desempregados no acostamento. Ainda que os incentivos fiscais nunca parem de entrar no seu tanque de combustível.