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Economia

UBS aponta uma concentração ainda maior das riquezas globais

14/10/2024
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O relatório “Global Wealth Report 2024 – Dados elaborados da riqueza”, produzido e recentemente disponibilizado pelo UBS, é um mapa detalhado da geografia dos endinheirados do mundo. As informações do documento vêm sendo colhidas e detalhadas nos últimos 30 anos. O banco considera ricas as pessoas incluídas na faixa entre US$ 10 mil e US$ 100 mil, ou seja, um grupo modestíssimo se comparado com os 2.781 bilionários existentes no Planeta, em 2023, segundo a lista da Forbes. Como não poderia deixar de ser, o UBS não está preocupado com os sem-grana, e nem é esse o propósito do documento.  O relatório, portanto, é uma espécie de “O Capital no Século XXI”, livro do economista Thomas Piketty, ao contrário. A obra de Piketty busca levantar a pobreza no mundo, esquartejar a concentração de renda no Planeta e colocá-la como um dos maiores desafios globais. O UBS segue em outra direção e aponta que a “riqueza está aumentando constantemente em todo o mundo, embora em diferentes velocidades, com pouquíssimas exceções.” Alguns dados levantados pelo banco merecem destaque. Vamos a eles:
  • Uma grande transferência horizontal de riqueza está em andamento Entre muitos casais, um dos parceiros é mais jovem do que o outro e, de modo geral, as mulheres vivem apenas quatro anos a mais do que os homens, em média, independentemente da expectativa de vida média de uma determinada região. Isso significa que a herança intrageracional geralmente ocorre antes da transferência intergeracional do patrimônio.
  • Pode-se esperar que o cônjuge herdeiro mantenha esse patrimônio em média por cinco anos, antes de passá-lo para a próxima geração. A análise também mostra que, nos próximos 20 a 25 anos, US$ 83,5 trilhões de patrimônio serão transferidos. A estimativa é que US$ 9 trilhões desse total serão transferidos horizontalmente entre cônjuges, a maioria nas Américas. É provável que mais de 10% do total de US$ 83,5 trilhões sejam transferidos por mulheres para a próxima geração. O número de milionários está previsto para continuar crescendo. Em 2023, os milionários já representavam 1,5% da população adulta.
  • Em 2023, o crescimento real da riqueza global superou o crescimento nominal. Ajustado pela inflação, ele atingiu 8,4%. O crescimento da América Latina é forte, mas a desigualdade está sempre presente O patrimônio médio por adulto no Brasil cresceu mais de 375% desde a crise financeira de 2008, quando medido na moeda local. Isso representa mais do que o dobro do crescimento do México, de pouco mais de 150%, e mais do que os 366% da China continental. No entanto, o Brasil tem a terceira maior taxa de desigualdade de distribuição da riqueza em nossa amostra de 56 países, ficando apenas atrás da Rússia e da África do Sul.
  • O crescimento anual da riqueza caiu em mais de dois terços no Brasil, nos Emirados Árabes Unidos e na Austrália. Na primeira década deste milênio, nenhum mercado da nossa amostra apresentou crescimento negativo.
  • Entre 2008 e 2023, a grande maioria dos mercados viu seu patrimônio médio por adulto aumentar.  A evolução mais acentuada ocorreu na Turquia, onde o patrimônio médio por adulto nesse período disparou, atingindo 1.708% na moeda local. Os valores do Brasil e da China continental atingem um nível ainda notável acima de 360%, mais do que o triplo dos Estados Unidos. Um total de sete mercados excedeu durante esse período a marca de 300% de crescimento nas respectivas moedas locais.
  • Em termos de patrimônio por adulto, a população mundial registrou um progresso substancial desde o início do milênio. A porcentagem de adultos na faixa de riqueza mais baixa, de menos de US$ 10.000, continuou diminuindo durante as recessões e as crises financeiras, quase caindo pela metade desde o ano 2000, até o ponto em que, mundialmente, já não é a categoria mais comum. Ela foi ultrapassada pela segunda faixa consideravelmente mais ampla, que cresceu 2,5 vezes, passando de pouco menos de 17% da população mundial para quase 43%. As duas faixas mais altas de riqueza também tiveram uma expansão significativa. A terceira mais do que dobrou, enquanto a última faixa de pessoas, cuja riqueza ultrapassa US$ 1 milhão, triplicou para 1,5% da população mundial.
  • A riqueza pertencente ao grupo mais afortunado equivale a quase metade da riqueza global, ou seja, pouco menos de US$ 214 trilhões. Em contrapartida, os US$ 2,4 trilhões de propriedade coletiva da faixa mais baixa correspondem a apenas meio por cento da riqueza global. A propósito, essa rara faixa superior costumava representar 1,7% da população em 2021 e ainda não se recuperou desse nível.
  • O topo da pirâmide de riqueza mundial tem apenas 14 pessoas que, coletivamente, possuem cerca de US$ 2 bilhões. Porém, esse nem é o menor segmento. Esse título vai para a segunda faixa mais alta, composta por 12 pessoas que possuem entre US$ 50 e 100 bilhões. Contudo, o segmento significativamente mais populoso é aquele que contém pouco mais de 2.600 pessoas, possuidor de um patrimônio entre US$ 1 bilhão e US$ 50 bilhões.
  • Em todas as faixas de riqueza e em qualquer horizonte temporal, é sempre mais provável que uma pessoa suba a escada da riqueza em vez de descer. Após a queda em 2022, somos incentivados a ver que as pessoas em todo o mundo estão ficando progressivamente mais ricas — e isso se aplica a todos os níveis de riqueza.
  •  Espera-se que cerca de US$ 83 trilhões sejam transferidos nos próximos 20 a 25 anos. No entanto, considerando que as pessoas com mais de 75 anos detêm quase um quinto da riqueza global do mundo e que a expectativa de vida média para pessoas com 75 anos varia entre 82 e 86 anos na maior parte do mundo, é de se esperar que uma grande parte desses ativos seja transferida já nos próximos dez anos.

#Global Wealth Report #pobreza

Brasil

Agora só falta um pacto dos ricos contra a pobreza

29/08/2024
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A carta aberta intitulada “Pacto econômico com a natureza”, divulgada ontem nos veículos online e hoje em jornais impressos e assinada por aquinhoados empresários – entre os quais alguns industriais de estirpe, banqueiros acadêmicos e herdeiros biliardários – é uma iniciativa louvável. Ela revela explicitamente que o empresariado de maior peso não está de costas para a questão climática. E se propõe a participar ativamente de um plano “para enfrentar os desafios impostos pelas mudanças climáticas.” Não é pouca coisa. Mas a proposta de unir os Três Poderes parece um desafio maior do que acabar com todos os incêndios da Amazônia e do Cerrado, além do morticínio de outros biomas.

Tentar reagir ao risco de um desastre climático é, no mínimo, elogiável, e cabe mesmo às nossas elites assumirem a liderança dessa missão hercúlea. Porém, faltaram alguns parágrafos no texto. Assim como o meio ambiente é uma ameaça para ontem, a concentração de renda é um conflito para já, com um potencial de crescimento mais rápido do que o prazo do superaquecimento terrestre. Se, em 30 anos, estaremos todos fritos pelo calor cáustico, em cinco anos é líquido e certo que os donos da riqueza global, ínfimo 1% da população, ficarão ainda mais ricos. Ou seja: os 99% mais pobres serão ainda mais pobres.

A questão da riqueza excludente de uma absurda parcela de “desendinheirados” consta de forma tímida dos três pilares da agenda da reunião de cúpula do G20, no próximo mês de novembro, no Rio de Janeiro. As maiores nações do mundo parecem não considerar com a mesma relevância a relação dos temas de concentração de renda com a pobreza, miséria e “as milhares de crianças abandonadas junto a um cadáver de mãe” (apud Vinícius de Moraes). Tem sido sempre assim desde o pós-Segunda Guerra. Vide as condições da África, o chamado continente perdido. A próxima COP provavelmente repetirá a ausência da ausência. Se o mundo couber em uma mão dos mais ricos, isso não será um milésimo da preocupação dos países centrais e emergentes, das agências multilaterais e do próprio empresariado com a descarbonização. O clima ameaça a todos, mas o dinheiro em poder de uma molécula da sociedade é só um detalhe, Repita-se: a iniciativa de chamar a atenção para o desastre climático merece aplausos – as loas mais entusiásticas ficam para quando fizerem algo de concreto. Mas, tendo em vista o padrão de renda dos signatários, algumas linhas sobre a absurda concentração de renda e a desesperança dos excluídos – transformaria a carta aberta em uma atitude humanitária de ajoelhar e rezar. Fica a dica para um futuro manifesto. Aliás, segue outra dica. Melhor não usar a palavra pacto, que, no Brasil, sempre foi um convite à inação. Como dizia o Dr. Ulysses, “não mencionem pacto, porque vai virar pato”.

#desigualdade social #G20 #pobreza

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