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Netanyahu e as bigas de Gideão

6/05/2025
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No sétimo capítulo do Livro de Juízes do Antigo Testamento ou da Bíblia hebraica, conta-se como Gideão, por ordem de Deus e com a ajuda de apenas 300 israelitas munidos de trombetas e tochas, derrotou milhares de midianitas e alcançou o rio Jordão, matando os reis de seus inimigos. Pois Benjamin Netanyahu vem de lançar o plano denominado “Bigas de Gideão”, cujo objetivo consiste em ocupar por tempo indeterminado a Faixa de Gaza e, num primeiro momento, empurrar os 2,3 milhões de palestinos para o sul do território, seguindo-se um “deslocamento voluntário” que permita a implantação do resort sonhado por Donald Trump.

Isso significa uma radical mudança na estratégia israelense após 19 meses de guerra contra o Hamas, porém nada mais é que a concretização parcial do conceito de Great Israel que Netanyahu não teve o menor escrúpulo em exibir ao mundo durante a última Assembleia Geral da ONU. No mapa que então mostrou do alto da tribuna, o território israelense se estende do rio Jordão ao Mar Mediterrâneo, sem que haja qualquer indício da existência de alguma área governada por palestinos. Na Cisjordânia, o governo de extremistas de direita liderado por Netanyahu aprovou este ano a maior apreensão de terras palestinas em três décadas e permitiu que colonos judeus tomassem violentamente largas áreas para projetos de colonização a um ritmo nunca antes visto. É possível também que esse impulso imperialista alcance o sul do Líbano, onde Israel já forçou a evacuação de uma centena de aldeias da região, abrangendo segundo a ONU uma população de 1,2 milhão de habitantes e uma área equivalente a 25% do território do país.

A ocupação ostensiva de Gaza é, assim, o desdobramento de uma visão de longo prazo, porém se torna menos arriscada para as forças armadas israelenses – mesmo reforçadas agora pela convocação de dezenas de milhares de reservistas – graças ao virtual desmantelamento do poderio militar do Hamas e do Hezbollah, acompanhado das ameaças de pesados ataques aéreos por Israel e pelos Estados Unidos que praticamente paralisam o Irã. Mas as declarações de Netanyahu ao lançar a operação revelam uma sutil mudança em sua postura porque, enquanto antes a derrota total do Hamas e a recuperação dos reféns eram proclamadas como objetivos de igual importância, o primeiro agora é dado como prioritário. Isso gera protestos ainda mais veementes das famílias que ainda têm parentes em mãos do Hamas, protestos esses que têm crescente impacto sobre toda a população porque atualmente cerca de 70% dos israelenses apoiam o fim da guerra e o retorno de todos os 59 reféns (dos quais se estima que 24 ainda estejam vivos).

De qualquer forma, a implementação do plano fica suspensa até que se conheçam os resultados da visita que Trump fará ao Oriente Médio em meados do corrente mês. Chegando na Arábia Saudita no dia 13, o presidente norte-americano terá reuniões bilaterais com o príncipe-herdeiro Mohammed Bin Salman, mas já no dia seguinte participará de uma reunião de cúpula do Conselho de Cooperação do Golfo em que devem estar presentes, além do anfitrião saudita, os chefes de Estado dos Emirados, Bahrain, Kuwait, Omã e Qatar, não sendo impossível que outros líderes árabes venham a ser convidados. Posteriormente, Trump visitará para conversas bilaterais Doha e Abu Dhabi. Os temas principais desses encontros serão supostamente investimentos, venda de armas e cooperação no campo da inteligência artificial, porém é evidente que as empacadas negociações para um cessar-fogo em Gaza farão parte de todas as pautas.

Enquanto são aguardados os resultados dessa segunda viagem de Trump ao exterior, sendo a primeira provocada inesperadamente pela morte do Papa Francisco, muitos se perguntam por que não existe um clamor mundial contra essas medidas de “limpeza racial” prometidas pela dupla Netanyahu/Trump, que muitos equiparam a um Holocausto moderno. Em primeiro lugar, existe uma certa fadiga diplomática em suscitar mais uma vez em vão tal matéria na Assembleia Geral ou no Conselho de Segurança, onde agora o governo de Trump será representado por ninguém menos que Mike Waltz, vergonhosamente demitido do cargo de conselheiro de Segurança Nacional por vazar uma delicada operação militar no Iêmen. Em segundo lugar – e mais importante – porque muitos países temem aplicar medidas concretas contra Israel sabendo que Trump tomará as dores de seu parceiro de fé e muito provavelmente se encarregará de puni-los com retaliações políticas ou econômicas.

Sendo assim, enquanto Gideão não se valeu de bigas para derrotar seus inimigos, parece inevitável que Netanyahu continue a utilizar os poderosos tanques Merkava IV para levar a cabo a destruição sistemática da infraestrutura, moradias, hospitais e escolas que transformarão em terra arrasada os 365 km2 da Faixa de Gaza.

Jorio Dauster é colaborador especial do Relatório Reservado

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