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O relatório do TCU que aponta irregularidades no contrato firmado entre a Unigel e a Petrobras pode ser interpretado de duas maneiras. A primeira é que o Tribunal de Contas apenas cumpriu o seu papel: identificou um negócio danoso à estatal e, consequentemente, à União, o que o levou a praticamente vetar o acordo. Motivos não lhe faltam. Para começar, a operação é questionável do ponto de vista da rentabilidade.
O próprio TCU indicou um prejuízo potencial de R$ 487 milhões para a Petrobras caso a empresa leve adiante o contrato de industrialização sob encomenda das fábricas de fertilizantes de Camaçari (BA) e Laranjeiras (SE). Some-se a isso o fato de que as duas unidades, arrendadas pela estatal à Unigel desde o fim de 2019, teriam problemas ambientais, agravados durante a gestão do grupo. É tudo o que a Petrobras não quer. Há ainda outra contraindicação que teria sido identificada pelo Tribunal de Contas: a governança da Unigel é motivo de polêmica.
Nesse quesito, o principal ponto de atenção é o fundador da companhia, Henry Slezynger. Pró-forma, o empresário ocupa a cadeira de chairman da Unigel, cabendo ao executivo Roberto Noronha Santos o posto de CEO. Dentro da companhia, no entanto, o que se diz é que essa estrutura organizacional é uma peça de ficção, em grande parte um edulcorante de governança criado para adoçar a boca do mercado cm vistas ao IPO da empresa, que nunca veio.
Na prática, Henry Slezynger, 87 anos, sempre mandou e desmandou na companhia, quase como um feitor. Ninguém é poupado, nem mesmo o filho e herdeiro Marc Slezynger, vice-presidente do Conselho, que seria tratado pelo pai como um menino. Procurada pelo RR, a Unigel não quis se manifestar.
A segunda interpretação do relatório do TCU lança alguns questionamentos ao próprio modus operandi da Corte, ao menos em uma certa dose de exageros. Seja por um excesso de zelo, seja por um afã intervencionista, o Tribunal é contrário ou vê adversidades em quase todos os projetos, de qualquer área ou setor. Todos os presidentes da República têm ao menos duas dezenas de processos no TCU.
Se forem inclusos presidentes e diretores de estatais, o número de irregularidades apontadas pela Corte é assustador. O TCU, imagina-se, está lá cumprindo o seu papel. Mas parece que há pelo menos uma lufada de lavajatismo na atuação do órgão. No caso específico do acordo da Petrobras e da Unigel, sublinhe-se que ninguém está falando de corrupção de qualquer lado. Mas se os números não mentem, a lupa do TCU parece obsessiva e sua atuação é responsável de alguma maneira por atrasos e paralisações de uma miríade projetos.
Em tempo: o TCU pede explicações e em grande parte são respondidas. Mas com morosidade e deixando um monte de fichas sujas por uma eternidade mesmo para quem já prestou todos os esclarecimentos. Os números, sob certo aspecto, depõem a favor do Tribunal e atenuam a tese de excessos punitivos, ao menos no histórico mais recente. No ano passado, o TCU analisou 5.551 casos, mais do que nos dois anos anteriores – 4.644 em 2022 e 4.990 em 2021.
Em contrapartida, 3.424 deles levaram a algum tipo de autuação, ou 61,6%. Nos anos anteriores, essa proporção foi maior: 85% em 2022 e 88% em 2021. O mesmo se aplica a condenados por irregularidades: em 2021, esse número foi de 2.715. No ano seguinte, caiu para 2.432. Em 2023, houve uma queda ainda mais acentuada: 1.865 condenados.
Há quem afirme que o declínio se deveu à pandemia. E que em 2023 o relatório de ocorrências ainda não está inteiramente fechado. Parece que cabe ao Tribunal com perfeição a paráfrase de Tom Jobim: o TCU é bom, mas é ruim.
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