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Seja na Americanas, seja na Kraft, as palavras de Lemann são escritas a lápis

  • 10/04/2024
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Na semana passada, durante conferência no Harvard Science Center, Jorge Paulo Lemann fez uma rara e asséptica referência à Americanas: sem citar nominalmente a rede varejista, mencionou “uma crise em uma de nossas empresas”. Falou ainda que “temos de lidar com isso” para salvar a companhia e seus 30 mil empregados. Mas o que Lemann diz não se escreve, segundo a experiência pregressa do empresário. Há poucos indicativos de equacionamento da grave situação da Americanas, a começar por questões de ordem conjuntural. O varejo brasileiro enfrenta um período de provação, com recuperações judiciais, alto endividamento e uma devastação de pontos de venda sem precedentes. Desde 2023, gigantes do setor já fecharam cerca de 750 lojas. Ou seja: qualquer saída idealizada por Lemann e seus sócios, Beto Sicupira e Marcel Telles, que passe pela fusão ou venda da Americanas enfrentará uma conjunção adversa. Mas digamos que o mítico empresário consiga fazer mais uma de suas magias. Antes de qualquer M&A, ele teria de realizar uma brutal reestruturação da companhia, vendendo – ou fechando – um caminhão de lojas e cortando um percentual razoável do contingente de colaboradores. Só para efeito de comparação: as 750 lojas desativadas desde 2023 levaram de arrasto 35 mil postos de trabalho. Ou seja, uma Americanas inteira e mais uns quebrados, acima, portanto, da força de trabalho que Lemann promete “salvar”.

Além da hecatombe setorial, a própria condução da crise da Americanas alimenta dúvidas sobre o seu soerguimento. Por mais que Lemann faça discursos vãos de que vai “salvar” a empresa, até agora não há qualquer plano, simulação ou esboço que seja de solução para a rede varejista. Até o momento, por exemplo, a capitalização anunciada por Lemann ainda permanece no terreno das promessas. O empresário tem feito muitas. A Americanas se tornou um mico no mercado. Se Lemann quisesse realmente resolver o problema social de seus funcionários e evitar um “empregocídio” na rede varejista, bastaria ele recorrer a um pequeno pedaço da sua fortuna, estimada em US$ 16 bilhões.

Tudo bem que Jorge Paulo Lemann e seus sócios têm ativos de sobra para vender e capitalizar a Americanas. Isso não é problema. A questão é se o empresário está mesmo disposto a se desfazer de alguns de seus valiosos anéis e a forma como isso será feito. A queima de estoques até começou, mas de forma estranha. Ontem veio à tona a informação de que Lemann, Sicupira e Telles se desfizeram da sua participação na Kraft Heinz em dezembro do ano passado, movimento que só agora teve maior transparência. O RR já havia antecipado, com exclusividade, a intenção do trio de vender a multinacional (https://relatorioreservado.com.br/noticias/venda-da-kraft-heinz-entra-no-radar-de-lemann-e-seus-socios/). A saída se consumou da mesma forma que Lemann e seus sócios conduziram a Kraft Heinz nos últimos tempos, cheios de travessuras. Há três anos, mais precisamente em março de 2021, o empresário deixou uma pergunta no ar: por que Lemann decidiu sair abruptamente do Conselho da companhia? As respostas foram surgindo aos estilhaços, pouco a pouco. Apenas seis meses depois, a Kraft Heinz fechou um acordo com a SEC e pagou uma multa de US$ 62 milhões para encerrar uma investigação de fraude contábil – como se vê, o tal “risco sacado” da Americanas tem seus congêneres e equivalentes no ecossistema de empresas de Lemann, Sicupira e Telles. Agora, o ato final, com a saída dos três investidores do capital da companhia. O episódio da Americanas está longe do desfecho e, sabe-se lá, pode incluir outros atores e ativos que, no momento, ainda se encontram submersos.

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