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Regime de metas de inflação volta à pauta para a redução dos juros indecentes

  • 12/12/2024
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O choque de juros aplicado ontem pelo Copom – a Selic foi a 12,25% – é só a metade da laranja. Como o efeito da medida tem um prazo para redução do IPCA que pode chegar a seis meses, a inflação somente caminharia para a banda mais alta da meta em meados de 2025. É um tempo razoável para o presidente Lula esbravejar contra a queda do desempenho econômico e do emprego e um patamar de juros que contradiz todas as cobras e lagartos vomitadas sobre Roberto Campos Neto.

A outra metade da laranja, com o condão de acalmar o presidente e – quem sabe? – fazer uma correção de rota na política monetária há muito defendida por influentes economistas, somente vigoraria a partir de janeiro de 2026, salvo alguma guinada do BC. Um paper científico defendendo a mudança da meta de inflação, que vem sendo discutido intramuros no Banco Central, parece ter convencido o corpo técnico da instituição. Os argumentos já permearam a diretoria. A correção do regime de metas não só teria um embasamento sólido, como, por tabela, atenderia objetivos políticos do governo.

O trabalho que pode mudar as regras do jogo é intitulado “Inflation Targeting Under Fiscal Fragility”. É assinado pelos economistas da FGV e do IMPA Vitor Costa, Paulo Lins, Rafael Santos e Serge Valk, com a coordenação de Aloisio Araujo, um economista matemático que já é considerado uma legenda na academia. O documento vem sendo motivo de um intenso debate no BC desde agosto, quando o paper foi concluído.

Se o trabalho tivesse chegado ao BC antes de junho, quando o Conselho Monetário Nacional anunciou o novo regime de meta contínua, talvez a história da política monetária fosse outra. E os juros pudessem ter parado na faixa de 9% ou 10%. No final, a meta de inflação contínua somente mudou o ano calendário de aferição.

O centro e as bandas da meta permaneceram no mesmo lugar (3%, com piso e teto de 1,5% para mais ou para menos) no período 2024/2025, passando a ser contínua a partir do último ano mencionado. Contudo, há uma brechinha deixada pelo CMN. Trata-se da inclusão do termo “horizonte relevante” na regulamentação. A princípio, o horizonte é de 24 meses, quando a meta de 3% efetivamente seria permanente.

Mas a meta não é um artigo constitucional e pode ser mudada pelo CMN a qualquer momento e sem empecilho. É o que está posto em diversos outros trabalhos que já circulavam no meio acadêmico e no mercado.  O estudo que está abalando o sistema de metas, em síntese, é um documento de 67 páginas, que chama a atenção para um ponto relevante: o Brasil tem um déficit fiscal estrutural, portanto a definição da meta de inflação deve considerar sua tipicidade.

Ou seja: o “nível ótimo” de inflação depende de especificidades de cada país, tais como o grau de flexibilidade no mercado de trabalho e nível de fragilidade fiscal, dentre outros fatores. Essa mesma conclusão foi considerada pelos economistas Braulio Borges e Ricardo Barbosa, em artigo publicado no portal do IBRE/FGV, denominado “O debate sobre as metas de inflação no Brasil”.  Logo na partida, Borges e Barbosa mostram a que veio seu trabalho: “A definição de metas de inflação no Brasil nunca levou em conta estudos mais técnicos, envolvendo a chamada ‘Inflação ótima’ e avaliação crítica do desempenho de outros países emergentes com metas semelhantes”.

As armadilhas são muitas: uma delas é não dissociar o conjuntural do longo prazo, além de ignorar o déficit estrutural do país. Nessas condições, a meta deveria ser mais baixa, e, de qualquer forma, ser resultado de uma análise científica para sua definição. No atual modelo, ela criaria uma espiral permanente de juros altos, dívida pública crescente, atividade produtiva em descenso e inflação, mesmo no “horizonte relevante”, com o risco permanente de correr por fora da meta.

Não custa lembrar, que durante os quatro anos em que perdurou o teto de gastos, um regime de contenção inflacionária considerado draconiano, o Brasil não cumpriu a meta de inflação, mesmo ela sendo mais alta – primeiro de 4,5%, até 2018, e depois de 4,25% a partir de 2019. O paper que alicerça a provável mudança do regime de metas, segundou apurou o RR, é tido como inatacável e dá sustentação técnica para que o futuro presidente do BC, Gabriel Galípolo, se libere do engessamento à prática de juros altos. Para trazer os juros reais a um nível ainda alto, mas não indecente, seria necessário o equacionamento do déficit estrutural, o que é praticamente impossível fora de um prazo mais longo, dissociado do ditame conjuntural. No momento não há mais jeito a não ser engolir, possivelmente por mais alguns meses, o batráquio de juros de até 14% para alcançar uma meta ficcional de 3%.

O centro da meta sugerido não é nenhuma extravagância, mas um retorno ao 4,5% e 4,25% já praticados antes, podendo chegar a 6% se for considerada a banda de 1,5% para cima. O trabalho de Borges e Barbosa – e não o documento seminal que estaria sobre a mesa de Galípolo, um emaranhado de equações de matemática não linear – aponta que os 6% ainda seria uma inflação baixa para os padrões brasileiros. O IPCA médio de 1999-2022 foi de 6,4%, levemente fora da meta proposta.

Mas a mediana da inflação no mesmo período ficou em 5,9% a.a. Um dado curioso é que, segundo a metodologia de Korenok, adaptada pela MCM Consultores – um sistema que permite inferir a taxa de inflação causadora de maior ímpeto para indexação, sobretudo a gregoriana -, o IPCA seria da ordem de 3,7%, mais próximo de 4% do que da meta de 3%. Por enquanto, a política monetária é essa que temos. Mas já se vislumbra uma saída fora do túnel dos juros siderais

#Banco Central #Copom #Economia

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