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O que precisa ser dito
O maior risco para a economia dos Estados Unidos reside hoje no crescimento acelerado da dívida pública. Em 1969, a dívida somava US$ 366 bilhões. Em 2000, alcançou US$ 5,6 trilhões. Durante a crise financeira de 2008, saltou para cerca de US$ 10 trilhões. Em 2020, atingiu US$ 27,7 trilhões e, em 2025, estima-se que ultrapasse US$ 35 trilhões, o equivalente a mais de 120% do PIB norte-americano. Esse aumento foi impulsionado por gastos com guerras (como as do Iraque e Afeganistão, além, mais recentemente, a da Ucrânia), programas sociais (Medicare, Social Security), estímulos econômicos (como na crise de 2008 e na pandemia de 2020) e reduções fiscais sem a contrapartida de corte de gastos (como no Brasil). Todos os presidentes, independentemente de sua coloração política, têm contribuído para tal crescimento.
A trajetória ascendente da dívida gera preocupações cada vez maiores com respeito à sua sustentabilidade, em especial porque os juros que incidem sobre ela consomem fração crescente do orçamento federal. Paralelamente, cresce também o risco eventual de um calote e de seus efeitos devastadores sobre a predominância histórica do dólar como moeda de reserva internacional.
Mas será que Trump desconhece problemas de tamanha magnitude? Evidentemente que, malgrado sua ignorância em matéria econômica, o homem de negócios que já pediu várias vezes recuperação judicial para suas empresas sabe que é impossível conviver com uma dívida que se avoluma qual bola de neve. No entanto, como é típico dele, recentemente questionou – sem provas – não apenas o tamanho da dívida federal, mas também os métodos usados para calculá-la, alegando que o DOGE de Elon Musk tinha descoberto fraudes potenciais. Além disso, declarou que o país “agora não é tão rico. Devemos US$ 36 trilhões… porque deixamos todas essas nações se aproveitarem de nós”. Mais uma vez uma distorção extraordinária da realidade e a escolha dos inimigos externos para justificar suas medidas radicais.
No entanto, por trás desse palavreado agressivo, Trump vem efetivamente buscando reduzir a dívida pública de três maneiras.
A primeira consiste em, tomando emprestado a motosserra de Javier Milei, permitir que Musk ataque o déficit orçamentário mediante a amputação de agências governamentais e programas de cunho social, embora já venha crescendo o mal-estar interno com os resultados de tais cortes. Mais significativo é o fato de que, tendo anunciado que eliminaria US$ 1 trilhão do orçamento, Musk há poucos dias admitiu que essa cifra ficaria mais próxima de US$ 150 bilhões, quantia decepcionante à luz da estimativa de US$ 2 trilhões de déficit no ano em curso.
A segunda está implícita em seu suposto papel de “pacificador”, uma vez que os esforços para encerrar os conflitos herdados da administração Biden têm como objetivo real reduzir os brutais gastos militares do país. Nessa linha de raciocínio, Trump tem inovado de forma assustadora para os aliados e clientes do país. Por exemplo, busca receber de uma Ucrânia devastada o pagamento pelas despesas com armamentos incorridas pelos Estados Unidos ao longo do conflito, caracterizando-as como um empréstimo! A outra forma, já sugerida no caso da Coreia do Sul, implica cobrar tais despesas dos países defendidos pelas forças militares dos Estados Unidos, na essência transformando-as em tropas de mercenários quando antes eram o último bastião dos valores ocidentais.
E a terceira é aquela que ganha as manchetes com o vai e vem na área de comércio internacional analisado no artigo anterior. Nesse caso, podemos aqui evitar o debate técnico sobre o eventual vínculo entre déficit orçamentário e déficit comercial, o qual existe, mas depende também de vários outros fatores. O importante é reconhecer que as medidas atabalhoadas de Trump – ao impor tarifas que aumentariam em tese as receitas governamentais e reduziriam os gastos com importações, favorecendo assim a redução da dívida pública –, tiveram um efeito tétrico nas bolsas de valores de todo o mundo e eliminaram de vez a confiança no atual ocupante da Casa Branca.
O que é menos sabido, e mais grave, é que essas incertezas começam a abalar a confiança nos bônus do Tesouro norte-americano e, indiretamente, no dólar. Os chamados “treasuries”, sempre vistos como portos seguros, como os papéis mais livres de risco em todo o planeta, mostram sinais de fraqueza sobretudo diante das indicações de que seus maiores detentores, Japão e China, vêm se desfazendo de parcelas significativas dos títulos mantidos como reserva estratégica. Na medida em que, no corrente ano, o Tesouro deve emitir entre US$ 10 trilhões e US$ 15 trilhões desses títulos para financiar os déficits previstos, a demanda global por eles será crucial a fim de determinar para onde vai o imperador Donaldus. Toda a atenção é pouca!
Jorio Dauster é colaborador especial do Relatório Reservado
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