Especial

Quem é o manda chuva do futuro nessa tal de economia?

  • 7/05/2024
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Há um evidente descolamento entre a realidade econômica do agora e o cenário econômico previsto para o amanhã, que vem ocorrendo desde 2023. Fiquemos com este último ano e alguns breves recortes do primeiro quadrimestre de 2024. Começando pelo fim, a elevação do rating do Brasil pela agência de classificação de riscos Moody’s sinaliza para um crescimento mais robusto. A previsão leva em consideração os dados do presente e alguma estimativa não rigorosa em relação aos números prováveis do futuro, de três, quatro, cinco, seis anos, e olhe lá. Quanto ao porvir, repete-se a ladainha de sempre: tudo dependerá do fiscal. Leia-se o aumento do superávit primário de forma que a relação dívida bruta/PIB sinalize uma trajetória de queda. Nada de novo em condicionar o crescimento do PIB à redução do passivo interno do país. Mas o confronto entre a situação do presente e a predição do futuro ganhou uma dimensão inusitada desde o início do governo Lula até agora. À exceção da questão fiscal, que merece uma observação diferenciada devido a sua enorme transversalidade na macroeconomia, parece que tudo vai “muito bem, obrigado”, não obstante as instituições financeiras – vulgo mercado – e o pensamento ortodoxo da academia cravarem que o magma do desastre crepita no interior da economia. Todos os indicadores do dia a dia estão solares. Poucos fundamentos são ameaças no horizonte do tempo, como a taxa de juros, que é muito influenciada por variáveis exógenas – guerras, taxa básica americana, crescimento da China e preço do petróleo, para citar algumas – e do onipresente equilíbrio fiscal.

Os juros e o fiscal conversam o tempo todo. Mas isso não interessam diretamente à população. Os fatores que contam no bolso das pessoas, ou influem diretamente na sua qualidade de vida, jogam a favor. Estamos falando de inflação, emprego, renda, consumo, atividade produtiva, PIB, inadimplência, pobreza, salário, carteiras assinadas, dívidas atrasadas, entre outros. O dólar, que poderia influenciar ainda mais a favor desse grupo, estaria apreciado em função da enorme imprevisibilidade que engolfa o mundo e da monocórdia dúvida sobre a política fiscal do governo. No outro lado do ringue, estão as expectativas. Elas ditariam o futuro, pois levariam em consideração a antecipação dos dados de forma racional e são confirmadas com a concordância dos analistas das instituições financeiras, que capturaram a mídia como fontes hegemônicas de opinião em relação ao amanhã.

Nas últimas décadas, em determinados anos, houve algum desencontro entre o hoje e o amanhã. Nada grave. Mas, em 2023, o presente e o futuro antecipado pelos preditores se distanciaram em demasia, criando um triplo “dilema de Tostines”. O futuro reflete o agora? O agora se divorciou do futuro? Ou é o futuro que faz o agora acontecer? São poucos que questionam a teoria neoclássica, principalmente no que diz respeito à influência das expectativas racionais, inclusive como geradoras de uma profecia autorrealizável. A mesma coisa em relação à exigência do equilíbrio do fiscal, cujas referências de saúde são as métricas de outros países do mundo, dos emergentes, dos desenvolvidos. Uma relação dívida/PIB acima das médias dos blocos citados acima condena o futuro. Mas existem assimetrias que fazem refletir sobre esse “pensamento perfeito”.

Uma pesquisa pretérita feita por ferramenta que vasculha a internet e captura informações de todas as mídias do Brasil (online, impressa, rádio, TV, vídeo, podcasts, Diário Oficial) revela, em números minerados por IA, as distintas visões. A probabilidade de melhora do cenário econômico no presente – o ano base da pesquisa foi 2023 –, obteve um universo de 7.925 ocorrências. Em uma nova rodada, a mesma questão foi colocada, mas trocando a palavra-chave “melhora” por “piora”. No mesmo ano base, de 2023, essa busca negativa teve 2.868 registros identificados, o equivalente a quase um terço dos “otimistas”. Digamos que essa inferioridade do “pior” teria ocorrido devido à fixação de arcabouço fiscal. Qualquer regra que viesse a surgir no vácuo melhoraria o ambiente econômico de momento, que nadava no escuro. Mas, aos poucos, foi se verificando que o arcabouço, uma combinação de  aumento permanente de gastos e de crescimento contínuo da arrecadação, só daria certo se fosse uma espécie de “Plano Real Fiscal”.

A partir daí, surgem percepções ainda mais curiosas, que podem talvez ser explicadas por questões de ordem semântica, de humor, linguística, psicológica, sociológica etc. Quando trocamos a palavra-chave “cenário” por “expectativa”, o resultado é de 21.419 ocorrências que levam a crer na “melhoria” do porvir. Fazendo o mesmo exercício invertido, associando “expectativa ” ao termo “piora”, a dispersão torna-se maior se comparada à avaliação de momento da economia em 2023: somente 5.903 menções fazem acreditar que as coisas não irão melhorar. A palavra “expectativa”, portanto, tem um poder maior do que a palavra “cenário”. Talvez esse resultado tão assimétrico derive da incorporação da palavra “expectativa” ao vocabulário econômico em detrimento da palavra “cenário”. Ou seja: a troca do preço presente pelo valor a futuro.

Abrindo a sondagem para investigação dos dados pormenorizados, observa-se que nas correlações vinculadas às palavras “cenário”, “expectativa”, “melhora” e “piora”, há dominância de grupos de interesse e atuação distintos. Essa divisão pode estar vinculada a parâmetros e influências conjunturais/setoriais diferentes, mas também como objeto de captura do futuro. Em ambas as correlações com a palavra “cenário”, os agentes vinculados às finanças (um só grupo) são majoritários quando a percepção é de piora, levando em consideração a proporcionalidade numérica – dominante – dos subgrupos que apostam no melhor. Ou seja: há uma dispersão grande na média das avaliações feitas por variados segmentos. Na análise do ambiente econômico em 2023, todas as ocorrências do termo “piora” vinculadas ao grupo das finanças são em número proporcionalmente maior do que as vinculadas ao setor real, desmembrados nos seus respectivos subgrupos (agrícola, automotivo, alimentos, energia, mineração, varejo etc.). A relação Finanças/Economia Real na “piora” do cenário, com a amostra devidamente seccionada, é de 68% maior nas finanças. Essa proporção cai razoavelmente no grupo das Finanças quando a apreciação do cenário é de “melhora” da economia. Quase a mesma proporção se verifica, inversamente, quando a relação Finanças/Economia Real é associada ao cenário de “melhora” (70% maior). Ou seja: diversos subgrupos do setor real superam o grupo das Finanças quando se acha que o cenário de momento (2023) é otimista. Na metodologia da sondagem, ressalte-se, o bloco Finanças não tem subgrupos.

Decupe-se ainda mais o resultado setorial, trocando a palavra-chave “cenário” por “expectativa”, ou seja, “presente” por “futuro”. Quando a associação é feita a um futuro pior,  Finanças são superiores em, no mínimo, 94% a qualquer dos subgrupos do setor real. Quatro, entre muitas interpretações, poderiam explicar isso: (1) a sondagem não menciona prazo em relação ao tempo de projeção, o que pode ter influenciado os subgrupos do setor real que consideram horizontes mais curtos do que a área de Finanças – algo que poderia provocar uma descalibragem nas expectativas de parte a parte; (2) o setor financeiro trabalharia com uma racionalidade/avaliação de risco maior, além de uma capacidade de influência sobre a percepção geral superior à dos subgrupos do setor real, o que torna a predição seu maior ativo; (3) já o setor real (inclusos a maioria dos subgrupos) teria uma relação maior com o agora, e seriam mais influenciados – inclusive por terem um instrumental menor para prever o amanhã – pelo aumento da demanda conjuntural; (4) finalmente, as Finanças “votam” em bloco; e os subgrupos do setor real da economia, não. Por essa ótica, enquanto o setor financeiro “faria” acontecer o futuro, o setor real gozaria do presente, com “uma menor preocupação” e capacidade de captura do amanhã. Lembre-se que o setor financeiro foi considerado um grupo só e é transversal a todos os subgrupos do setor real. Então, quem manda nessa totalidade? O leitor que interprete.

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