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Análise
O pacote fiscal anunciado ontem foi condenado pela maior parte dos analistas do mercado e comemorado pelos partidos oposicionistas ao governo. O ministro da Casa Civil, Rui Costa, não apenas embarreirou medidas – ver RR (https://relatorioreservado.com.br/noticias/rui-costa-e-uma-pedra-permanente-no-caminho-de-haddad/) – como fez entrar no projeto alguns contrabandos políticos que acabaram por aumentar a extensão das medidas dependentes da aprovação do Congresso Nacional. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, queria fatiar o plano e ir toureando no tempo as mudanças. Mas venceu a tese de Costa de que o pacote teria de ser amplo, geral e irrestrito. Ou seja: teria de contemplar iniciativas já finalizadas ou ainda sob a forma de protótipo. Tudo de uma vez. Isso em um momento de enorme desconfiança da capacidade do governo de passar seus projetos – lembrai-vos que mesmo a parte aprovada da reforma tributária está atrasada, para não falar de uma parcela, referente à renda, que sequer foi apresentada. Com exceção das medidas com risco de efetividade ou perfunctórias, o governo colocou o seu arremedo de ajuste fiscal nas mãos do Congresso. É um mega sorvete de boas vontades, que, mesmo que fossem tecnicamente perfeitas, pecam pela montanha de proposições. E ninguém acredita que as conversas com os presidentes da Câmara, Arthur Lira, e do Senado, Rodrigo Pacheco, mesmo que registradas em cartório, tenham fé pública.
A priori, caso sejam aprovadas em sua maioria, as medidas criariam uma pauta quase permanente até 2026. É uma tese irreal. Mais fácil o feitiço se voltar contra o feiticeiro se o pacote for aprovado pela metade, hipótese razoavelmente plausível. Nesse caso, até mesmo a garantia de implementação das medidas autorizadas ficaria contaminada, além de colocar fermento na incapacidade política do governo. Há um caráter populista em várias das propostas, o que inclina um Centrão com a faca nos dentes a desaprovar ou pedir maiores contrapartidas para aprovação dos projetos. Com isso, a intenção de amansar o mercado saiu pela culatra.
Rui Costa também foi um dos artífices da inclusão da isenção do IR de uma faixa de renda maior da sociedade. Convenceu Lula de que a medida era a âncora política do pacote. Uma jogada de alto risco. O ex-presidente Jair Bolsonaro, por meio do seu ministro da Economia, Paulo Guedes, anunciou que faria o mesmo movimento durante a maior parte do seu mandato. Não conseguiu bulhufas. No caso, trata-se de uma proposta de campanha do presidente Lula. E seu mandato já está prestes a atravessar o segundo ano. Ela atende a um justo objetivo social. A questão é que veio fora do timing, atrapalhando a credibilidade do resultado primário e a proteção do arcabouço. Sem essa medida, o mercado estaria soluçando menos, com uma folga orçamentária maior. A justificativa de que a mudança no IR será compensada por aumentos de impostos aos ricos e super ricos também é risível aos olhos dos agentes financeiros. Na visão dos analistas, ela não passa pelo Senado. E nenhuma conta mais precisa foi feita para demonstrar que os valores dessa compensação estão casados com a perda de receita. Caso ela fosse lançada no final de 2025 ou início de 2026, seria considerada um ativo eleitoral do governo.
O ministro da Fazenda também queria uma contribuição maior vinda do corte dos subsídios. Chegou a fazer um arriscado movimento, considerado por muitos como fronteiriço à suspensão do sigilo bancário. Divulgou uma lista com as 100 maiores empresas favorecidas pelo governo e os valores respectivos. Mas novamente perdeu a parada. Haddad conseguiu somente atrelar os subsídios ao resultado primário: em caso de déficit, os benefícios não poderão ser prorrogados, criados ou ampliados. Sejam quais forem os critérios, a contribuição no corte de incentivos fiscais é nanica. A rigor, não há cortes. Eles serão meio que engessados em caso de insucesso da política econômica, o que ninguém quer. Por sinal, os próprios valores agregados das renúncias são controversos. Em não raras vezes Secretaria do Tesouro, Receita Federal e TCU batem cabeça. O TCU é quem mais acende o fogo no bambuzal dos subsídios. Informa que as renúncias fiscais tributárias, em 2024, chegaram a R$ 519 bilhões, além de R$ 127 bilhões de benefícios financeiros e creditícios, um total de incentivos da ordem de R$ 646,6 bilhões, segundo o TCU.
Mas não só Rui Costa entra na conta do iníquo pacote. Simone Tebet, que em público parece tocar a quatro mãos com o ministro da Fazenda, quando se trata das contas públicas é a própria Lady Macbeth. Impôs os cortes no Fundeb, contra a vontade de Haddad. A ministra queria incluir na PEC fiscal a desvinculação dos gastos com saúde e educação obrigatórios ao percentual constitucional. Esbarrou em Lula. Mas a navalhada no Fundeb e a mudança na regra do salário-mínimo, indexador de praticamente todo o orçamento, aplacaram sua obsessão por maior flexibilidade na gestão dos gastos.
No mais, são muitas promessas de atualização e correção nos cadastros e alteração de processos sem garantia de efetivo resultado. No desfecho, o pacote fiscal incendiou o câmbio (o dólar ultrapassou a barreira histórica dos R$ 6,00) e os juros no presente e na curva do longo prazo (há pouco, a taxa do contrato de Depósito Interfinanceiro para janeiro de 2026 subia de 13,55% para 13,845%). Ao mesmo tempo, deixou transparecer que o governo não tem unicidade, e, da forma frankensteiniana como foram organizadas, as iniciativas criaram mais incertezas do que o contrário. Não fossem somente esses quesitos, a comunicação foi péssima. Segundo uma fonte sibilina do RR, deveriam chamar os pais do Real para um curso de como anunciar um plano de medidas econômicas.
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