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A “República do perdão” independe das urnas. Seja Lula, seja Jair Bolsonaro, o vencedor das eleições terá de solicitar ao Congresso um waiver para que o teto de gastos possa ser furado mais uma vez. Entre os assessores econômicos dos dois candidatos, o pedido de anistia é tratado como algo praticamente inevitável. O próximo presidente precisará de tempo para implementar um novo arcabouço fiscal, que só terá efeito prático a partir do segundo ano de mandato. A mudança nas regras, vinculada ao compromisso de manutenção do ajuste fiscal, justificaria a requisição ao Legislativo da “licença para gastar”. Mal comparando, seria uma versão doméstica dos tantos pedidos de waiver feitos ao FMI por governos brasileiros do passado. Cada tempo com seus apertos.
A premissa é que o ano de 2023 já está perdido. O PLOA (Projeto de Lei Orçamentária Anual) para o próximo ano, enviado ao Congresso, não contempla a massa de gastos adicionais fora do teto. A manutenção do Auxílio Brasil de R$ 600 custará cerca de R$ 60 bilhões por ano. O pagamento de 13º do benefício a mulheres, prometido por Bolsonaro, vai exigir outros R$ 10 bilhões. Entra ainda nessa “conta dos não contabilizados” um passivo de precatórios expedidos e não pagos de aproximadamente R$ 50 bilhões. Some-se a isso o fato de que o próprio teto de gastos deverá ser rebaixado. A PLOA encaminhada ao Congresso previa um IPCA de 7,2% para este ano. No entanto, o último Boletim Focus, de 7 de outubro, traz uma projeção de 5,71%. Nesses termos, o teto previsto na PLOA de 2023 está superestimado em cerca de R$ 24 bilhões.
Tanto os assessores de Lula quanto a equipe econômica do governo Bolsonaro já acenam com um novo arcabouço fiscal. Pelo lado da atual gestão, técnicos do Tesouro Nacional concluíram a minuta de um plano que preserva o teto de gastos, mas altera o modelo abrindo margem para aumento real dos gastos de até 2,5% ao ano a depender de três variáveis. Para começar, o projeto estabelece como referência a DLGG (dívida líquida do governo geral) – o indicador abrange ativos e passivos da União, estados e municípios, excluindo ativos e passivos de posse do BC. A proposta do Tesouro contempla a dívida líquida do governo geral em relação ao PIB do ano corrente, estabelecendo três bandas possíveis: abaixo de 45% do PIB; de 45% a 55%; e acima de 55%. Essa relação DLGG/PIB é comparada à média dos três anos anteriores, para se verificar alta ou queda. Finalmente, o modelo observa se a média bianual de resultados primários indica um saldo positivo e crescente na comparação com os dois anos anteriores. Nesse caso, seria concedido um bônus de 0,5 ponto percentual para elevação das despesas. Dessa alquimia os técnicos do Tesouro derivaram para 12 combinações possíveis que possibilitam uma variação dos gastos primários do governo federal entre zero e 2,5% ao ano.
Lula já afirmou que vai acabar com a atual regra do teto de gastos. Assessores do comitê econômico do petista têm sinalizado a hipótese de retirar investimentos do cálculo para o limite das despesas. De toda a forma, as informações que saem da campanha do PT ainda são pouco conclusivas. Talvez fruto da biodiversidade de economistas de diferentes correntes de pensamento que se aglutinaram em torno da sua campanha, há vozes que defendem uma regra baseada em uma trava para os gastos; outros entendem que o melhor critério é o saldo positivo das contas públicas. Pérsio Arida, por exemplo, um importante colaborador do plano de governo do PT, defende um programa de gastos de R$ 100 bilhões fora do teto até que seja definida a nova regra fiscal. Economistas do PT discutem ainda alguma regra contracíclica para o teto. Ou seja: o governo aumentaria o teto e consequentemente o limite de gastos quando a economia estivesse retraindo, como forma de compensar o menor crescimento. Em contrapartida, o oposto também ocorreria, ou seja, a redução do teto em caso de uma expansão do PIB que permitisse um volume menor de gastos públicos.
Seja como for, seja quem for, o cenário é dramático. Com a manutenção de desonerações concedidas neste ano, notadamente IPI e PIS/Cofins sobre combustíveis, o gasto tributário federal, ou seja, o custo das renúncias, cresceu de 0,5% do PIB para 4,3% do PIB em 2023 – acima do índice de 2% do PIB estabelecido na Emenda Constitucional 109/2021, originada da PEC Emergencial. As estimativas apontam que a relação dívida/PIB deverá crescer quatro pontos percentuais entre dezembro deste ano e dezembro de 2023. Nesse contexto, não há margem de manobra. Seja quem for o presidente, seja qual for o novo arcabouço fiscal, 2023 terá de ser o ano do perdão.
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