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Economia
Curioso, mas o governo Lula está imprensado entre o determinismo histórico marxista e a teoria das expectativas racionais. Os dois conceitos antípodas conversam entre si em voz baixa. No determinismo materialista, “são sempre os homens que fazem a história, mas sob condições que não são de sua própria escolha. Ou seja, o marxismo é determinista no sentido de rejeitar o incausado como uma força formativa da história, mas não é fatalista”. Por outra via, corre a teoria das expectativas racionais, que todo mundo deveria saber de cor porque há três décadas ela reina absoluta no economic thinking nacional (academia, mídia e empresariado). Mas vale rememorar: ela se baseia na hipótese de que os agentes econômicos utilizam toda a informação disponível sobre o atual comportamento e as previsões para o futuro da economia. Isto quer dizer que a tomada de decisões se dá a partir de racionalidade, informação disponível e experiência adquirida. Voltando à práxis. O governo e o próprio Lula estão sob condições que não são da sua escolha: apequenamento do PT; agigantamento dos grupos políticos argentárias; desaparecimento da força contrária de equilíbrio, PSDB, que colaborava na sua formação identitária; falta de lideranças e operadores; antipatia crônica das elites; e percepção de que não cederá das suas convicções. Há também a sensação de que o presidente já não tem a mesma saúde para usar o seu maior trunfo, o carisma. Foi ele que sustentou sua força política por todos esses anos.
As expectativas racionais, por sua vez, transformam o futuro no presente, já que o agente que não pensar conforme os dados e informações disponíveis é irracional. Por essas tintas teóricas pinceladas como um borrão, Lula estaria sem mobilidade, incapaz de mudar ou criar um fato concreto que mantivesse a bonança na economia física (emprego, salários, investimentos, PIB) ou a percepção de que ela foi construída sob pilares de vento (expansão fiscal descontrolada e descontrole das contas públicas). O futuro nem a Deus pertenceria mais, e, sim, à circunstância presente de que os agentes de produção antipetistas levariam vantagem sob a competitividade do pensamento e os fatos racionais, hegemonicamente, interpretados como tal. Relatórios de research, boletins como o Focus, papers da academia e entrevistas na mídia engessam a possibilidade de mudança minimamente expressiva de Lula e de seu exército de Brancaleone.
Já os marxistas, antifatalistas, a despeito de as medidas serem estratégicas ou táticas (como a Carta ao Povo Brasileiro), não acreditam na paralisia de Lula. Primeiramente, porque faltam ainda dois anos para o término do governo; em segundo, porque ele não entregaria o poder de mãos beijadas assim; o petista já teria sido testado em seu pragmatismo, com nota alta; e pode, em tese, contar com a ajuda de um deslize do empirismo teórico contrário. Como dizia o professor Mário Henrique Simonsen, as expectativas racionais também podem ser formadas por atores irracionais. Não é novidade que o mercado também erra suas profecias.
No momento, os racionalistas levam vantagem. Os números bons de Lula remetem a um passado recente. As previsões dos racionalistas concretizam hoje um futuro breve. De uma certa forma, só restaria a Lula o recuo, o que cria as condições de avanço do mercado, ou seja, tudo em que o presidente ceder será insuficiente. O ajuste fiscal no caso brasileiro é a captura do Estado pelo mercado, sem que essa visão tenha qualquer componente ideológico. E o ajuste fiscal é a teoria do “sem fim”.
Mas na bissetriz entre o determinismo histórico marxista e a teoria das expectativas racionais pode haver um terceiro vetor, capaz de realinhar senos e cossenos em uma nova trigonometria política. Trata-se do efeito estado de saúde. A cirurgia emergencial a que a Lula foi submetido na madrugada de hoje reavivou dúvidas sobre as suas condições clínicas após a queda no banheiro do Palácio do Alvorada em outubro. Lula cortava as unhas do pé. Às vezes basta um acontecimento do tamanho de uma cutícula para a história virar pelo avesso. Um baque na saúde do maior líder popular da esquerda brasileira poderia deflagrar um estado de comoção nacional, um fator não previsto nem nos manuais da Karl Marx nem nas bulas de John Fraser Muth, o pai da teoria das expectativas racionais – posteriormente, o conceito seria desenvolvido e se notabilizaria por meio de Robert Lucas. A depender do correr dos acontecimentos, esse elemento surpresa poderia revigorar a saúde política de Lula, seja como forte candidato, seja como um eleitor de peso para 2026. Por ora, nada de certezas. Há apenas conjecturas. Dadas as condições políticas e a divisão de poderes da República somente haverá ajuste no “infinito”. O que tem essa pensata a ver com as eleições de 2026? Joguem seus dados, leitores.
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