Política

Governo enfrenta a catástrofe gaúcha com uma enchente de divergências

  • 16/05/2024
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A ideia de criação do Ministério de Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul desponta como a melhor solução encontrada para criar a percepção de presença contínua do governo federal em Porto Alegre. Mas, até quando acerta, o governo não consegue escapar do estado de desorientação que tem pautado a condução da catástrofe no sul. A própria proposta do Ministério temporário causou desencontro no Palácio do Planalto. Desencontro este que se desdobrou em dois. Primeiro, houve dúvidas em relação à ideia da criação de uma autoridade federal no Rio Grande do Sul; depois, batido o martelo, surgiram discussões se Paulo Pimenta seria o nome mais apropriado. Houve quem sugerisse uma figura mais ilustre e representativa, sob o argumento de que o responsável pela função estaria para a catástrofe gaúcha como Pedro Parente esteve para a crise do racionamento de energia no governo FHC.

O grau de desbaratamento chegou ao ponto de Janja ter assumido o papel de arbitrar sobre dúvidas e discordâncias um tanto quanto comezinhas, como, por exemplo, se Lula deve ou não ficar mais tempo em Porto Alegre, inclusive transferindo o governo para a cidade, ou se deve seguir no seu “bate-e-volta” entre Brasília e a capital gaúcha. Pode ser que seja mais confortável o presidente pegar um avião e ir ao Sul dia sim, dia não. Não parece. A primeira-dama é favorável a esta segunda hipótese. Um ponto de vista.

Outro aspecto que causou divergência no Palácio foi relativo à forma de comunicação das medidas. Uma ideia seria uma operação no estilo Plano Real, ou seja, disponibilizar os ministros diretamente envolvidos no problema, com seus respectivos assessores, durante o período de maior intensidade da crise para divulgar todas as iniciativas de forma conjunta e organizada, assim como responder permanentemente as dúvidas da mídia. Por outro lado, no governo há quem não veja exatamente como um inconveniente que as iniciativas sigam sendo divulgadas aos poucos, de forma espaçada. Primeiro, porque a dinâmica da tomada de decisões tem sido mais ou menos essa e talvez não haja mesmo outro jeito: as ações vêm sendo discutidas e aprovadas à medida que vai se tendo uma noção maior das consequências da tragédia; e last but not least, há também a efetividade das decisões e o seu retorno político. Não dá para colocar panos quentes, e olhar somente sob o prisma da responsabilidade social. Política é política em qualquer canto. Os desastres é que são diferentes. Ao mesmo tempo, do ponto de vista da comunicação, os anúncios passo a passo, diferidos no tempo, poderiam ajudar a gerar fatos em sequência e alimentar a percepção de uma profusão contínua de soluções. Mas a avaliação do governo nas pesquisas está muito ruim. Há cientistas políticos que consideram a ausência de um conjunto de medidas de impacto e adoção da “política do picadinho de iniciativas” um erro de estratégia.

A desorientação do governo se reflete também nas cifras lançadas no ar até o momento. O valor a ser gasto na recuperação do estado pode ser os R$ 19 bilhões do governador Eduardo Leite, os R$ 57 bilhões da primeira estimativa de Fernando Haddad, os R$ 92 bilhões calculados pelo economista Claudio Frischtak, reconhecido como um dos maiores especialistas em infraestrutura do país, ou R$ 150 bilhões, R$ 200 bilhões, R$ 300 bilhões, o que for dependendo do que o governo vai colocar como “dispêndios suplementares” no balaio das despesas exclusivamente com a reconstrução do Rio Grande do Sul. Na realidade todos esses números são chutes. Até agora, a melhor prática é destinar o dinheiro para que o governo gaúcho defina onde tem que gastar. Vai ver, existe algum método nessa loucura. De repente, o procedimento é proposital. Por mais desconexas que possam ser, esse jorro de cifras podem também contribuir para melhorar o rating reputacional do governo Lula. Repita-se: pensando-se pragmaticamente, é inevitável que o presidente – e assim seria quem quer que fosse o presidente – esteja engajado na crise gaúcha com um duplo chapéu: do humanismo e da política, ou melhor, política eleitoral. 2026 é logo ali na frente. E mais perto ainda é o pleito municipal de outubro.

Entre idas e idas vindas, ao menos a leitura no Palácio do Planalto é que a implementação do Ministério de Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul pode resolver uma disfuncionalidade do próprio governo, ao tirar Paulo Pimenta da Secom. O ministro é sabidamente um ponto sensível dentro do Palácio. Sob sua batuta, a comunicação do governo tem primado pela regularidade: é ruim na bonança; é ruim na tragédia.

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