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Governo articula megafusão entre Gol, Azul e Latam

  • 19/03/2024
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O governo está costurando o que talvez seja a fusão mais difícil já realizada no Brasil. Trata-se de reunir as três grandes empresas aéreas do país: Latam, Azul e Gol. O assunto mobiliza os principais gabinetes da República, envolvendo, em maior ou menor medida, o Ministério do Desenvolvimento e Indústria, a Fazenda, a Casa Civil e a própria Presidência. As discussões em torno da tríplice associação partem da premissa de que o programa de apoio às companhias aéreas em formatação no governo – que sequer se sabe muito bem do que se trata – não passará de um dedo no dique.

Não será com concessão de crédito, subsídios, benefícios fiscais, investimentos públicos em estrutura aeroportuária e outros velhos remédios do gênero que a grave crise do setor será equacionada. Trata-se de uma questão sistêmica, que, como tal, exigiria uma solução sistêmica, por meio de consolidação. A partir de conversas travadas dentro do governo, conforme o RR apurou, é possível inferir que essa seria uma operação para desaguar no BNDES, a quem caberia dar o suporte financeiro necessário para a fusão.

A União teria ao menos um assento no Conselho da companhia. Entre os tantos óbices à operação, um está dentro da própria estrutura da máquina pública: o Cade. A eventual associação entre Gol, Latam e Azul praticamente colocaria toda a aviação comercial brasileira sob o mesmo teto. No ano passado, o trio concentrou 99,5% de market share dos voos domésticos.

Não seria fácil dobrar a resistência do órgão antitruste. Mas já existe, digamos assim, alguma “jurisprudência”. A Vale, por exemplo, é praticamente um monopólio. Some-se a isso o fato de que o Cade seria instado a analisar o caso de uma maneira muito particular. Não seria uma operação de M&A qualquer, mas uma questão de interesse nacional.

Todas as três companhias, de certa forma, estão com a língua de fora – umas mais, outras menos. Do trio, a que atravessa o melhor momento é a Latam, que saiu da recuperação judicial com uma estrutura de capital mais sólida, uma operação mais enxuta e praticamente sem dívida. Outro dado a favor da empresa é a diluição da participação dos irmãos Cueto, do Chile, que controlavam a Latam.

É atribuída à dupla uma boa parcela das enfermidades da companhia. Por sua vez, Gol e Azul vivem uma situação menos saudável. A primeira entrou em recuperação judicial, com um passivo de R$ 20 bilhões. A segunda, por sua vez, atravessou no ano passado uma duríssima negociação com os credores, que envolveu a transferência de até 17% das preferenciais, além da emissão de US$ 370,5 milhões em títulos de dívida com vencimento em 2030.

Além disso, ambas estão exageradamente alavancadas. A Azul fechou o terceiro trimestre do ano passado, último balanço disponível, com uma relação dívida líquida/Ebitda de quatro vezes. No caso da Gol, o cenário é ainda mais preocupante. Em setembro de 2023, a companhia carregava uma relação dívida líquida/Ebitda de 5,5 vezes. E já foi pior: no terceiro trimestre de 2022, esse índice havia chegado a insuportáveis 9,2 vezes.

A Gol tem mais de 50 mil credores. Ressalte-se que o segundo maior da extensa lista é a Aeronáutica. São cerca de US$ 220 milhões em passivos com o Decea (Departamento de. Controle do Espaço Aéreo) relativos a atrasos no pagamento de taxas de voo. Ou seja: o próprio Estado é um dos grandes credores da Gol. Trata-se de um detalhe que pode fazer bastante diferença.

O governo não estaria entrando nesse voo apenas como governo, como se isso já não fosse suficiente. A posição de credor automaticamente empurra o Estado para a mesa de negociações. A gestão Lula teria passaporte para costurar por dentro uma eventual conversão de debt em equity atrelada à fusão da Gol com Latam e Azul.

Além das fortes turbulências financeiras do setor, outro óbice à costura da possível tríplice fusão é o enrosco societário das companhias aéreas. É muito investidor para se negociar. A Gol é controlada pela ABRA Holding, criada a partir da sua associação com a Avianca. Nessa empresa-casca estão o salvadorenho Roberto Kriete, que ficou com a companhia colombiana após ejetar German Efromovich do negócio, e a família Constantino.

A presença do clã, por sinal, traz um histórico de controvérsias e até mesmo crime. O patriarca, Nenê Constantino, chegou a ser condenado como mandante do assassinato de duas pessoas que participaram da ocupação de um terreno da família, em 2011.   Posteriormente, as condenações foram anuladas pelo STJ.

Quem também tem assento no capital da Gol é a American Airlines, com 6,5% das preferenciais. No caso da Latam, além da família Cueto, a Qatar Airlines e a norte-americana Delta também detêm posições acionárias relevantes. Na Azul, há uma clareza maior com quem o governo deveria se sentar para articular a megafusão. O empresário David Neeleman controla 67% das ordinárias.

Ainda assim tem a seu lado o Grupo Caprioli (33% das ordinárias), antigo controlador da Trip Linhas Aéreas, adquirida pela Azul em 2012. E há ainda a United, com 5,3% das ações preferenciais.

Para que a eventual fusão decole, as três companhias teriam também de superar antigas animosidades de parte a parte. Segundo uma fonte do setor, a maior bronca tem como alvo David Neeleman. A Azul é tida como quem mais faz marola para piorar o ambiente competitivo. Neeleman é apontado como useiro e vezeiro em lançar balões de ensaio com objetivos difamatórios.

No início deste mês, antes do noticiário sobre a possível associação entre ambas eclodir, a Azul alimentou informações de que poderia comprar a Gol. Em 2021, a companhia soltou no ar o interesse de adquirir a Latam. Nos dois casos, um modus operandi semelhante de se antecipar aos fatos e colar nas concorrentes uma percepção maior de fragilidade. A Gol também não fica muitas milhas distantes no que diz respeito ao tensionamento do setor.

A empresa acionou a Justiça dos Estados Unidos pedindo a abertura de uma investigação contra a Latam. A acusação é que a companhia chilena estaria se aproveitando do pedido de recuperação judicial da Gol para “roubar” suas aeronaves, contratar pilotos e desencorajar agentes de viagem a reservar voos da companhia.

#Azul #Cade #Latam

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