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Expurgo da tragédia gaúcha do IPCA seria a justificativa perfeita para a queda da Selic

  • 17/06/2024
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O Ministério da Fazenda, o Banco Central e o IBGE têm mantido discussões sobre a possibilidade de se expurgar os efeitos da tragédia do Rio Grande do Sul do cálculo do IPCA. Esse “acordão” seria uma forma de conter, na “fonte”, uma pressão inflacionária desmedida e – por que não dizer? – artificial, provocada por uma excepcionalidade, uma catástrofe climática de graves proporções. O expurgo, enquanto mecanismo de freio para evitar uma alta descalibrada do IPCA, seria um importante fator de influência sobre a política monetária e a decisão do Copom nas próximas reuniões.

A medida daria uma justificativa técnica para o Comitê eventualmente seguir com o ciclo de redução da Selic. Antes que alguém pense que a Fazenda estaria tirando um coelho da cartola para manipular a inflação e consequentemente pressionar o Banco Central, cabe lembrar que o expediente do expurgo já foi utilizado algumas vezes no país. Em 1983, por exemplo, as secas no Sul afetaram duramente a safra de trigo.

Naquele mesmo ano, a Fazenda havia retirado subsídios que barateavam os preços do próprio cereal e derivados de petróleo. Essa combinação fez os preços do trigo dispararem. Durante três meses, a FGV, então responsável pela medição oficial da inflação, publicou dois resultados, um deles chamada de “índice ajustado”, que eliminava a commodity do cálculo. Para além de uma medida circunstancial, já houve quem defendesse que o expurgo se tornasse algo permanente.

Diferentes espectros ideológicos tangenciaram essa possibilidade. Em 1999, o então ministro Pedro Malan chegou a flertar com a ideia de retirar do cálculo inflacionário preços de grande volatilidade, como combustíveis e alimentos hortifrutigranjeiros. Em 2010, o ministro da vez, Guido Mantega, também propôs a criação de um índice que excluísse, por exemplo, alimentos e energia.

Por ora, as tratativas entre Fazenda, BC e IBGE são conduzidas com cautela.

E trazem a reboque uma série de indagações, que poderão ou não ser respondidas nos próximos dias: o tema será discutido na reunião do Copom que começa amanhã? A ata dessa reunião trará o assunto à baila? Nos hieróglifos que costuma divulgar, o Copom dará algum indício de que, eventualmente, o IPCA expurgado poderia vir a ser adotado já na reunião seguinte, de 30 e 31 de julho? Há muitas implicações para a adoção desse novo cálculo, seja de ordem política, ou econômica.

O próprio Banco Central já tratou do tema, por meio, por exemplo, de artigo assinado pelo economista Ricardo Braule Pinto, ex-chefe do Departamento de Índices de Preços do próprio IBGE. No ensaio, o economista levanta o que chama de “questões insolúveis” em relação à matéria, a saber: “Os produtos serão retirados definitivamente ou somente enquanto durar a ´variação atípica´, fruto da ´acidentalidade´?”; “Como identificar uma variação atípica?

A variação atípica teria de ser definida a partir análise da série histórica de cada produto, o que é inviável.”; “Idealmente o índice deveria se resguardar de ´acidentes´… seria possível identificar, antecipadamente,  esses candidatos a ´acidentados´?; “Qual a representatividade de um indicador do qual são retirados todos os acidentados potenciais, além dos sazonais? Como ponderar os produtos restantes?”    

De toda a forma, independentemente da adoção ou não de um mecanismo de expurgo, a incógnita em relação ao cálculo de inflação desponta como mais um exemplo da bagunça que a catástrofe gaúcha está causando nas contas públicas. O Congresso já aprovou a retirada dos gastos com a reconstrução do Rio Grande do Sul da meta fiscal.

Ainda assim, “caso as receitas sejam inferiores neste exercício, o primário válido para aferição do déficit zero será afetado”, diz um estudo da Warren Rena, publicado pelo Valor Econômico no último dia 11. E o que viria a ser o “primário válido”? Trata-se de uma nova nomenclatura ou um reforço da metodologia atual? Ou seria uma ambiguidade? Afinal, se ele será afetado, como diz o estudo, automaticamente o “primário válido” deixaria de ser “válido” para ser “adequado”, “ajustado”, ou algo que  valha.

#Banco Central #Ministério da Fazenda #Selic

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