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Eleições 2024: é a economia e suas contradições, estúpido!

  • 5/06/2024
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Por motivos imprevistos até o início desse segundo semestre, pode ser que Lula volte a ser um grande eleitor no sufrágio para prefeitos, vice-prefeitos e vereadores, neste final do ano. Mas como pode, se a popularidade do presidente só cai e avaliação do seu governo é ruim? O fenômeno e sua intepretação têm precedentes. Virou lugar comum a frase do estrategista político do então candidato à presidência dos EUA, Bill Clinton, James Carville, responsável por uma virada histórica – o candidato opositor, George. H. W. Bush que chegou a ter 90% de aprovação – “it’s the economy, stupid”. Contra todos os prognósticos e desafiando cânones da macroeconomia,  surgiram indícios que a economia pode, sim, transfigurar o atual Lula rejeitado em um Lula com maior apelo eleitoral. Ressaltamos que eleições municipais são muito diferentes das presidenciais. Mas, as variáveis crescimento econômico, queda da inflação, nível de emprego e desemprego, aumento do salário, majoração da renda, crédito mais farto e consumo em alta, continuam ditando uma significativa parcela dos quesitos observados pelos eleitores. Em 2022, quando Lula foi eleito, o Painel do Poder, do UOL, rodou uma sondagem junto aos parlamentares sobre o principal tema das eleições. A economia representou 74,7% das escolhas, seguida da pandemia – ainda com reflexos recentes – 13,26%, e da defesa da família e dos valores cristãos, 7,23%. Uma casa percentual para lá, uma outra para cá, muito provavelmente a influência dos mesmos vetores permanecerão dando as cartas. Afinal, além da Faria Lima, quem sabe o que é ajuste fiscal? O até então insondável é que a economia real fosse desafiar princípios basilares da macroeconomia – o RR, em alguns momentos, apostou nessa direção. Exemplo: inflação é alta quando o emprego cresce – a nível recorde, diga-se de passagem – e o desemprego cai. Não é o que estamos vendo. A inflação, medida pelo IPCA,  saiu de 10,01% , em 2021, para 3,77%, em 2024, segundo projeção do Focus. Para 2025, a mediana do Focus é que a inflação não mude muito e se situe com folga dentro da margem mais alta da meta, de 4,5% – em relação ao centro da meta, de 3%. Já o emprego bateu seu recorde desde que a série histórica foi iniciada em 2012, com 38,1 milhões de trabalhadores com carteira, e 13,5 milhões sem carteira. O rendimento médio do trabalhador aumentou 4,7%, o maior patamar histórico. Os números não mentem. Mas as correlações brigam uma com a outra.>

Segundo exemplo: taxas de juros domésticas altas (a previsão do Focus é de 10,25%, em 2024, e na faixa de 10% em 2025 – a segunda maior taxa de juros real do mundo), expectativa firme de aumento dos juros externos até 2025, imprevisibilidade política e dúvidas em relação à meta fiscal não coadunam com aumento de investimentos, conforme os pilares da macroeconomia. Será? O relatório da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib) aponta que os investimentos do país em infraestrutura foram recorde, crescendo 19,6%, em 2023, com viés de alta em 2024. A iniciativa privada está surpreendendo e carregando a maior parcela desses investimentos. Outro recorde: trata-se do maior aumento das inversões desde o pico de 2014. Vale uma ressalva, os investimentos em capital fixo são, na maioria das vezes, empreendimentos com longo prazo de maturação, ou seja, pressupõem uma aposta no futuro da economia. Para não ficar somente no passado, onde a base de comparação era baixa devido à pandemia e as suas sequelas, no primeiro trimestre deste ano – segundo dados divulgados pelo IBGE, na última terça-feira -, o investimento disparou, com alta de 4,1%, o que representou uma das maiores contribuições para o crescimento do PIB deste ano. Não custa ressaltar que a agropecuária, motor do Brasil nos últimos anos, deve dar uma contribuição menor para a majoração do PIB, em 2024. Foram a indústria e o consumo das famílias (inflado pelo aumento do salário-mínimo, auxílio emergencial, subsídio à cesta básica,  programa Desenrola, e dinheiro despejado de diversas formas pelo governo às pessoas físicas) que puxaram o PIB no primeiro trimestre. Ninguém está fazendo pouco do produto do agrobusiness, indiscutivelmente a nossa maior vantagem comparativa, mas o Brasil não precisa ser somente a “roça do mundo”. De qualquer forma, mesmo não sendo o motor da economia neste primeiro trimestre, conforme pelo menos o último quinquênio, a agropecuária teve o maior destaque no aumento de exportações entre janeiro e março (US$ 78,3 bilhões ou 3,2% do que no mesmo intervalo no ano passado) e no saldo da balança comercial (US$19 bilhões), ambos recordes.

Um terceiro exemplo: pode o desastre do Sul contribuir para o aumento do PIB? Pode sim, a partir do segundo semestre. Uma voz respeitada na Faria Lima, a do economista responsável pela área de macroeconomia da Vinci Partners, badalada gestora de recursos, José Carlos Carvalho, desafia o coro dos descontentes – pesquisa feita pelo RR, com algoritmo próprio aplicado ao IA, revela que mais de 90% dos financistas são pessimistas em relação aos subsetores da economia real. Carvalho afirma no Valor de hoje que o saldo da tragédia em relação ao PIB pode ser positivo a partir do segundo semestre, empurrando o indicador para cima no final do ano. A explicação chega a ser singela: “Um engano que as pessoas cometem, às vezes, é achar que destruição do estoque de capital afeta o PIB. O PIB é valor adicionado no ano. Quando um aeroporto ou um prédio é destruído , isso não afeta o PIB. Mas a reconstrução, sim. O “Net”, o saldo líquido, é positivo”. E temos ainda o aumento do auxílio emergencial e antecipação do 13° salário, em toda a região. Por essa lógica, teríamos um carry over positivo da reconstrução do Sul encomendado para 2025. Finalmente, no segundo semestre, o gasto público será maior, devido às eleições em 5.568 municípios.

O que está ocorrendo, então, com tamanhas contradições? Talvez a macroeconomia by the book esteja sendo contrariada por um novo corte em seus princípios. Talvez a obsessão pelo equilíbrio das contas públicas, que os financistas e economistas tanto ortodoxos apregoam, não tenha a mesma importância na economia real. Existem sinais nessa direção: o Congresso já aprovou o expurgo dos gastos no Sul do resultado primário; há uma certa subestimação em relação a variedade de medidas de aumento da arrecadação, produtividade e correção de desvios estruturais (indexação da maior parte do orçamento pelo salário-mínimo, por exemplo); ou mesmo uma superestimativa da importância do cumprimento de uma meta de 0% em relação a 0,4%, 0,5% ou 0,5%, também a título de ilustração. Há quem interprete o fator Lula – um governo pior, um presidente cansado, ausente da coordenação política etc.. – como uma conta negativa a ser paga pela economia. Ou não. Seria apenas um presidente que fala bobagens e se omite, delega e não decide, mas la nave da economia vai mesmo assim. E qual seria a precificação do unânime ministro Fernando Haddad? Por enquanto, não há respostas na teoria econômica, nas projeções do mercado e na associação de fatos. Nas redes, já começam a circular os memes: “É a economia, estúpido”. Quem diria?

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