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É noite de segunda para terça-feira no Palácio da Alvorada e a secura do Planalto Central faz com que a garganta da presidente se pareça com o deserto dos tártaros. Insone, Dilma Rousseff deixa o quarto, desce um lance de escadas e caminha até a biblioteca, onde se posta diante da tapeçaria de Di Cavalcanti atrás de sua mesa. No fim de semana anterior, ela chegou a pensar que teria direito a alguns instantes de alívio e poderia postergar decisões fulcrais por conta dos feriados geminados da segunda – Independência, no Brasil, e Labor Day, nos Estados Unidos. Puro autoengano. Dilma só consegue pensar que, em pouco mais de 24 horas, a Standard & Poor’s vai divulgar sua nova avaliação de rating para o Brasil. O eventual rebaixamento da nota (hoje, BBB-) e a consequente perda do grau de investimento vão transformar sua governança em farrapo. A protagonista se pergunta como deixou as coisas ficarem assim. Em sua cabeça um turbilhão se abate sobre suas convicções ideológicas. “Afinal, o que o meu governo tem de esquerda?” A presidente mira sobre a mesa a pilha de relatórios que recebeu ao longo da tarde. Os dados e números saltam à frente de seus olhos. Dilma se questiona se ainda tem nexo 96 milhões de brasileiros usufruírem de algum tipo de benefício do governo – não estão inclusos nesse número os funcionários públicos municipais, estaduais e federais. Lembra que, mantida a progressão de crescimento dessa benemerência, até o fim de seu mandato cerca de 150 milhões de pessoas serão, de alguma forma, passageiras e dependentes do trem-pagador do Estado. Indaga-se também se faz sentido aumentar impostos para não cortar gastos que são concentradores de renda e favorecem determinados segmentos. Questiona por que não avançar ainda mais na reoneração das folhas de pagamentos. Dilma toma a direção do Salão de Estado. As interrogações a perseguem pelo corredor. Não seria possível retirar a política de apoio à aquisição pelos estados de compras de mercadorias nacionais? Na maioria dos produtos, a preferência doméstica custa até 30% a mais. Ao se lembrar dos gastos não mandatários, Dilma se pergunta também se não seria o caso de diminuir os R$ 8 bilhões em despesas vinculadas a grupos específicos, como repasses ao MST ou mesmo os benefícios da Lei Rouanet? E mais: por que não mexer nos 4,97% do PIB que correspondem a subsídios diversos, que vão de transferências para a Zona Franca de Manaus até a dedução do IR com gastos de saúde? E por que não acabar com as alíquotas de importação, mesmo que alguns setores sofram na partida? Próxima ao Salão Nobre, a presidente reflete: “Se tivéssemos um mercado de capitais de verdade que reduzisse a dependência do Estado, poderíamos abrir mão de boa parte do crédito direcionado”. As horas passam e o Alvorada faz jus ao nome. Um pensamento veloz a assalta de repente: “Será que ser de esquerda não é democratizar os benefícios concedidos a grupos de interesse, transformando-os em estabilidade, produção e emprego?” Os primeiros raios de sol iluminam em Dilma a convicção de que é necessário o anúncio de um conjunto de medidas críveis e imediatas. A receita adicional poderia chegar a R$ 220 bilhões – pouco mais de três vezes o superávit original de Joaquim Levy. Dilma respira fundo e segue em direção às escadas para voltar ao seu quarto. A garganta ainda queima e a terça-feira promete ser longa.
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