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Decálogo de incoerências que assolam o Fundo Garantidor de Créditos

  • 5/11/2024
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O recrudescimento, nas últimas semanas, da defesa de um aumento da cobertura do Fundo Garantidor de Créditos (FGC), por meio de uma tortuosa Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do senador Ciro Nogueira, vem em um péssimo momento. Ele contribui para especulações de que o sistema financeiro não está sólido ou de que alguma instituição financeira anda mal das pernas. Atualmente, o seguro bancário, digamos assim, cobre praticamente 100% dos correntistas e investidores do país até R$ 250 mil por CPF ou CNPJ. Pode chegar ao teto de R$ 1 milhão no intervalo de quatro anos caso a mesma pessoa física ou jurídica tenha o infortúnio de ser cliente de outras instituições financeiras que venham a quebrar no mesmo período. A PEC de Ciro Nogueira propõe quadruplicar a garantia para R$ 1 milhão na primeira tranche, o que, mantidas as regras atuais, poderia representar, no limite, o pagamento de até R$ 4 milhões nos quatro anos seguintes, na hipótese, igualmente inusitada, do correntista ter depósitos e investimentos em mais de um banco com dificuldades financeiras.

Achar que os recursos do FGC jamais aumentam não é uma afirmação de boa fé. O Fundo cresce organicamente, já que seu montante é aplicado em ativos sólidos, basicamente títulos públicos. O FGC é uma instituição de direito privado, sem a ingerência dos bancos na sua gestão – os conselheiros não podem estar associados a instituições financeiras. Existe para evitar uma crise financeira sistêmica e tranquilizar toda a população de que seu dinheiro está seguro nos bancos. Ocorre que, além das suas próprias incongruências, a PEC do senador Ciro Nogueira acabou por estimular a imaginação do mercado, dando origem a especulações surreais. As propostas que surgem para o aumento do valor da cobertura do FGC e das cotas dos bancos mais parecem uma contribuição ao “Festival de Besteira que Assola o País” (Febeapá), uma antologia de textos hilariantes, criada pelo cronista Sergio Porto e publicadas em vários livros. O RR segue na mesma toada e cria o seu “Decálogo de Incoerências que Assolam o FGC”

1 – Algum gênio propôs que o aumento da garantia e da cota de contribuição saísse do recolhimento do compulsório bancário. Ora, são alhos e bugalhos. Os recursos do recolhimento, depositados no BC, pertencem aos bancos, portanto são contabilizados como um ativo bancário. Já a contribuição ao FGC é como se fosse um imposto – no caso, de 0,0125% dos depósitos elegíveis. É um custo e um dinheiro que, uma vez recolhido, não pertence mais aos bancos. A ideia é uma boa maneira de confundir ainda mais uma ideia já confusa.

2 – Quais foram os critérios adotados pelo senador Ciro Nogueira na sua proposta de aumento do FGC? Por que quadruplicar o limite do Fundo? Por que não duplicar? Ou quintuplicar? Ou setuplicar? Não se sabe que parâmetros o parlamentar usou. O fato é que, a cada múltiplo, maior o risco moral decorrente da medida.

3 – Considerar que o FGC também está aquém do valor necessário para dar conta do problema de uma ou outra instituição financeira é confundir o sistema bancário com ficção científica. O Brasil atravessou a grande crise internacional do sistema financeiro, em 2008, como se estivesse tirando caspa do paletó. Aliás, esse ponto levanta uma reflexão. Não será um sistema bancário concentrado uma forma de resistência a maiores cataclismas?

4 – Uma das mais divertidas argumentações pró aumento das garantias foi converter o teto de R$ 250 mil ao valor do câmbio no momento da aplicação. A indexação não faria o menor sentido. O que ia ter de gente torcendo contra o real e também para que bancos quebrassem…

5 – Um outro disparate é comparar as cotas e garantias determinadas pelas autoridades fazendárias e monetária do país ao valor de outras paragens. É como se o sistema financeiro fosse um monolito e não houvesse características diferentes na sua composição e necessidades em cada Nação. Se fosse para generalizar, seria o caso de fazer um novo Bretton Woods, ou seja, criar um padrão FGC. Ademais, os valores garantidos e a reserva do fundo, no Brasil, são maiores do que em outros países.

6 – Inventar mais uma PEC somente para engessar o FGC é mais ou menos como criar uma PEC para regulamentar o Imposto de Renda (IR). O FGC não deixa de ser um IR bancário, com finalidade específica: pagar permanentemente uma taxa para retirar qualquer dúvida sobre a solidez das instituições financeiras. Algo parecido com um Tesouro Nacional dos bancos.

7 – Aprovar a PEC do FGC também significaria transformar o Conselho Monetário Nacional (CMN) em um órgão de segunda categoria. Quem decide a regulamentação e suas mudanças é o CMN, composto pelos ministros da Fazenda e Planejamento e o presidente do Banco Central, e não por congressistas. O modelo decisório funciona que nem o do Banco Central, cujas determinações não passam pelo Congresso. Imagine só. Talvez fosse o caso de criar um Conselho Monetário Nacional independente e atrelar o FGC a ele. Que coisa!

8 – Achar que um aumento das cotas e da garantia do FGC seria engolido como água fresca pelos bancos é quase infantil. É claro que uma parte desse custo seria repassado sob a forma de aumento das taxas de juros pelas instituições bancárias. Por outro lado, a redução da margem de lucros correspondente retiraria o estímulo ao reinvestimento em ações espontâneas para o fortalecimento do sistema financeiro, adoção de novas tecnológicas e um avanço holístico, por assim dizer.

9 – Se existe uma medida pertinente para ser adotada em relação ao FGC, a PEC que trata do assunto passou ao largo. Trata-se de como as fintechs poderiam participar do fundo. Os grandes indivíduos da espécie, a exemplo do Nubank, Pag Seguro, PicPay, Creditas, Neon, para citar algumas, já têm sua licença bancária e estão inseridos no FGC. Pode até inexistir o risco sistêmico, mas a ameaça de calote ao correntista ou ao investidor continua sobrevoando o país. O BC ainda não acertou uma regulamentação que arrume o universo crescente das fintechs, que desfrutam de uma assimetria perigosa no sistema financeiro. O Brasil possui 2.712 fintechs ativas, sendo que 58,7% delas estão no país. As contas ativas de pessoas físicas em fintechs cresceram 77% em um ano, totalizando 251 milhões em 2023. O volume de crédito concedido pelas fintechs no Brasil em 2023 foi de R$ 21,1 bilhões, um aumento de 52% em relação ao ano anterior. Segundo levantamento feito por uma ONG, em 60% das favelas do Rio existe uma fintech, ou pelo menos, algum estabelecimento que assim se denomina. Já são motivos para uma preocupação maior dos ilustres congressistas.

10 – Com o aumento do risco moral que pode ocorrer em decorrência de uma cobertura excessiva pelo FGC, o RR corta e cola as palavras do diretor executivo do FGC, Daniel Lima. “É muito importante que uma fração relevante dos saldos não esteja coberta, para que o risco moral decorrente da existência da cobertura seja controlado. Esse risco moral surge porque os agentes podem deixar de arcar com os custos de suas decisões. Imagine que você comprou um seguro para o seu carro. Se você não tiver seguro, provavelmente não vai estacioná-lo em qualquer rua. Mas depois que você comprou o seguro, talvez seu comportamento mude e você inclusive deixe a janela do carro aberta. Está aí o risco moral.”

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