Comandante-em-chefe faz um estrago na imagem das Forças Armadas

  • 25/05/2021
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Nenhum outro presidente da República enxovalhou a imagem institucional das Forças Armadas como Jair Bolsonaro. Golpe, intervenção, tortura, ditadura, supremacia sobre os demais Poderes… Estes são alguns dos temas impertinentes e embaraçosos que Bolsonaro insiste em colar na corporação. O episódio do último domingo – com a conivência do general Eduardo Pazuello, presente nas manifestações pró-governo, no Rio – foi mais uma crise que o presidente jogou no colo dos militares. Punir ou não punir Pazuello virou o constrangimento da vez para o Exército.

Jair Bolsonaro apoderou-se das Forças Armadas para o seu projeto político. O RR fez um levantamento nos cinco jornais de maior circulação do país ao longo dos 874 dias de mandato, totalizando 4.370 edições. Nesse período, em média, a cada quinzena há 2,3 registros sobre declarações de Bolsonaro usando o termo “meu Exército”. Neste ano, o discurso de apropriação se acentuou: a média sobe para 4,1 citações por quinzena. O clipping é farto. Nas manifestações do último domingo, o presidente voltou a se valer da expressão: “Meu Exército jamais irá para às ruas para manter vocês em casa”. Utilizou-se da frase no mesmo contexto em 8 de março e 19 de março (“Se o povo começar a sair, entrar na desobediência civil, não adianta pedir que o meu Exército não vai nem por ordem do Papa”). Em 24 de abril, cogitou editar um decreto e colocar as Forças Armadas contra os governadores e as medidas de isolamento social nos estados: “Eu falo o meu Exército, o pessoal reclama, mas eu sou o chefe supremo das Forças Armadas. Se precisar, iremos para as ruas”.

Os danos à imagem das Forças Armadas começaram cedo. Em março de 2019, no terceiro mês de mandato, Bolsonaro determinou que o Exército, a Aeronáutica e a Marinha fizessem as “comemorações devidas” do golpe de 1964, lançando luz sobre um assunto extremamente sensível, que os Altos Comandos costumam conduzir com zelo e discrição. Em 8 de agosto de 2019, Bolsonaro causou nova perturbação ao trazer o tema da tortura de volta à tona. Na ocasião, chamou de “herói nacional” o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, reconhecido pela Justiça como torturador na ditadura.

Em 19 de abril de 2020, Bolsonaro levou a política para a soleira das Forças Armadas. Discursou em frente ao Quartel General do Exército, em Brasília, durante manifestação na qual os participantes pediam intervenção militar e reedição do AI-5. O gesto forçou o então ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, a divulgar uma nota oficial, no dia seguinte, afirmando que “as Forças Armadas trabalham sempre obedientes à Constituição”. Em 14 de novembro do ano passado, nova manifestação: o ministro Azevedo e Silva e os três comandantes militares soltaram uma nota para reafirmar a separação entre Forças Armadas e política. O desfecho desse incômodo permanente foi a saída simultânea dos chefes do Exército, Aeronáutica e Marinha, em março.

O povoamento da máquina administrativa também ajuda a contaminar a imagem dos militares. Existem seis mil nomes egressos das Forças Armadas em postos no Executivo Federal, 2,5 mil a mais do que no primeiro ano de mandato. Guardadas as devidas proporções, Bolsonaro transformou os militares no novo “sindicalismo”, em referência à categoria que se espalhou pelo setor público na gestão petista. Some-se a isso os generais do Palácio, que estão lá para cumprir as ordens do presidente e não para zelar pelo capital reputacional das Forças Armadas. Estão todos mais preocupados com seus cargos.

O protagonismo de Pazuello na CPI da Covid é a amostra mais forte de como Bolsonaro contribui para emporcalhar a imagem das Forças Armadas. Essa promiscuidade é motivo de apreensão não apenas para os Altos-Comandos, como também para os demais Poderes. Um exemplo: o presidente da CPI, Omar Aziz, manteve contato com o comandante do Exército, general Paulo Sergio, preocupado com a hipótese do Pazuello ir de farda ao Senado.

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