Política

Com Haddad, está quase tudo dominado

  • 6/10/2023
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A Faria Lima não comprou Lula. Nem vai comprar. Mas votaria em Fernando Haddad se ele trocasse de partido. Mesmo achando que a mistura de ortodoxia e heterodoxia econômica tem uma combinação maior do que a recomendável – o mercado sempre quer no mínimo uma pitada a mais de ortodoxia –, a política econômica está sendo bem aceita pelas instituições financeiras, conforme o RR apurou junto a três executivos do alto escalão dos seus respectivos bancos. Há senões. A insuficiência do corte de gastos para equilibrar o arcabouço fiscal, todo centrado na receita do governo, é um desses senões. A reforma tributária da renda, a que mexe com dividendos, redução do imposto de renda para pessoa física e aumento para empresas, taxação dos juros sobre capital próprio e etc são outros. No entanto, o que mais incomoda a banca é o timing. Os executivos acham que o governo Lula e, mais especificamente, Fernando Haddad se perdem em negociações muito longas de medidas econômicas que existem presteza.

O arcabouço, por exemplo, que chegou a ser festejado pela bolsa e pelo mercado de câmbio, não foi aprovado ainda. A reforma tributária, que está no Congresso há quatro anos e no início do governo Lula estava pronta para ser aprovada, ainda vem sendo revolvida por comissões e lideranças do Congresso. A disputa sobre quem perderá seus gravetos no inevitável rouba-montinho sobre o resultado das empresas – um arcabouço construído sobre a arrecadação exige que alguém pague mais – interessa menos à Faria Lima, mas está sendo acompanhada com atenção.

Fora uma ou outra lacuna menos expressiva, Haddad faz muito do que Paulo Guedes fez e faria. A principal diferença não é nem a miríade de medidas liberais que o ex-ministro tentaria emplacar, como a privatização, mas que Guedes achava que o Brasil não cabia nas suas necessidades e o governo Lula pensa o contrário. A conjuntura, se não vai muito bem, vai muito razoável. A questão dos juros, que deixava a Faria Lima com os nervos à flor da pele, já está resolvida. Já se sabe o quanto as taxas devem cair neste ano (1 pp a 1,5 pp, chegando a uma Selic entre 10% e 11%). Já está devidamente digerida a estratégia de que os juros podem cair menos do que se previa, ou seja, taxas “menos baixas” não receberão o ataque do governo. A relação entre Roberto Campos Neto e o Palácio do Planalto virou um namoro – o RR já publicou que Campos Neto é candidato e permanecer no cargo, em novembro de 2024. A inflação pode dar um ou outro repique, mas não sobe ao patamar de 5%. O desemprego, que está em 8%, pode chegar a 7% até o fim do ano. O PIB cresce bem em relação às previsões. Vai a 3% neste ano – no início de 2023, a projeção era de 1% – e pode passar um pouco desse índice, sem que o mercado acuse pressão inflacionária com o crescimento da economia. Está sendo construído com parcimônia o monte de dinheiro que o governo vai jogar na economia – BNDES, estatais, orçamento da União, corte de incentivos, fundos do exterior etc.

Que o governo vai gastar mais é líquido e certo. A emenda constitucional do arcabouço prevê aumento de despesa todo ano. Talvez a lentidão nas negociações com o Centrão e outros grupos de interesse tenha a ver também com a conta dos recursos a serem investidos. Lula quer garantir o PIB, que é um grande formador de expectativas no modelo de política econômica do seu governo. A nomeação do novo presidente da CEF, partilha de ministérios, dinheiro a ser distribuído para parlamentares gastarem aqui e acolá, tudo estaria na dependência do total dos dízimos a serem pagos aos mercadores do templo. É preciso ver quanto vai se dispender com os “emolumentos” para calcular os recursos que irão sobrar para fazer a economia crescer mais neste ano e, principalmente, no próximo. O fato é que, na aurora de 2023, quando os mais otimistas ficavam com um crescimento do PIB entre 0,5% e 1,5%, o RR dobrou a estimativa para 3%. Pois bem, a previsão já está dada como certa. Para 2024, o mercado não chega a 2%. O RR repete sua previsão de 3%. Quem quer fazer uma aposta?

O enigma, verdade seja dita, tem muito do fiscal. Só que o mercado acredita que o espaço para aumento de receita não é suficiente para fechar o resultado primário das contas públicas. A publicação considera o contrário. Entre cortes de incentivos, reonerações, dívidas transitadas e julgadas e outras judicializações, além do espaço enorme para medidas criativas, há dinheiro, sim, para se enquadrar nos limites do arcabouço e auferir uma receita adicional para aquecer a economia neste ano e em 2024. Um dos executivos consultados, contudo, considera que, se emplacar os bons índices de 2023 em 2024, arrumar um bocado o lado fiscal e conseguir fazer a reforma administrativa, Lula já garantiu números positivos até o fim do governo. Só não acerta no milhar se a economia mundial entrar em uma espiral de crise. Mas aí, não só o governo Lula, mas todos perdem.

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