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Começou a circular o Expresso 2222, que parte da Lojas Americanas para depois – que Gilberto Gil perdoe a apropriação da sua letra. O exército de escritórios de advocacia e advisers de todos os gostos e feitios arregimentados pela rede varejista iniciou o périplo para varrer o mundo financeiro em busca de um comprador para a empresa, conforme apurou o RR. Esse seria o “quarto pilar” das propostas emanadas da diretoria anterior, pega em flagrante.
Os outros pilares, conforme publicado na edição do Valor Econômico da última terça-feira, seriam o fechamento de capital da empresa – medida de espertalhão para ganhar tempo – a procura de um sócio para a conversão de debt em equity ou, por fim, se juntar a um concorrente global. A priori todas as soluções continuam valendo, mas a venda direta tem predileção.
Procurada pelo RR, a Americanas não quis se pronunciar. Quem pilota a cabine da operação de alienação do controle acionário é Beto Sicupira, sócio de maior referência no desvario da gestão das Americanas. Quem pariu Mateus que o embale. Afinal, Sicupira era cantado e decantado em prosa e verso como o grande responsável pelo case de sucesso da empresa desde a sua aquisição pelos “Lemann’s Brothers”.
Talvez Sicupira não tenha tido tanta ou nenhuma importância no soerguimento da varejista lá atrás ou menos ainda na debacle do presente. Mas isso é o que menos importa neste momento.
O fato é que as condições para a alienação da Americanas melhoraram enormemente nesse período em que se rearrumou a estrutura de capital da companhia, com o aporte feito pelos “míticos” investidores biliardários e a conversão da dívida em ações por parte dos credores. O papel da empresa está de graça nas bolsas – na casa dos R$ 4,50, ou o equivalente a 0,6% da cotação negociada em janeiro de 2023 na véspera da revelação dos crimes financeiros da rede varejista. Se vacilar, o próprio trio Jorge Paulo Lemann, Beto Sicupira e Marcel Telles começa a recomprar a ação na xepa.
O governo Lula praticamente garante um boom de consumo doméstico. Mesmo que os juros subam, encontrará uma solução à la “Desenrola” para manter a demanda pedalando. Afinal, 2026 é logo ali. A concorrência também não anda lá tão bem das pernas. O brand da Americanas continua sendo um ativo atrativo.
A Americanas passou a ser um pilar do “risco sistêmico” do crédito do varejo, ou pelo menos entendida como tal. É bom para todo o mercado que suas finanças estejam com o hedge de um big investidor. Dificilmente a companhia recuperará seu goodwill mantida a atual divisão acionária. O deságio simbólico da empresa pode ser resumido na declaração disparada por Warren Buffett pouco depois que a fraude contábil veio à tona.
Mesmo sem citar nominalmente a Americanas, Buffet chamou a “contabilidade criativa” de “vergonha do capitalismo”. E quem o disse foi um dos maiores especialistas em Jorge Paulo Lemann no mundo, seu parceiro em outros negócios. Por sinal, Buffet, não custa lembrar, deixou o Conselho da Kraft Heinz em abril de 2018 sem maiores explicações. Menos de um ano depois, estourava a notícia de que a SEC, a CVM norte-americana, havia instaurado uma investigação para averiguar políticas contábeis suspeitas no grupo.
Três anos mais tarde, no que pode ser interpretado como uma confissão de culpa, a Kraft Heinz pagou uma multa de US$ 62 milhões ao órgão regulador para encerrar o processo.
O momento da venda da Americanas é agora, e faz todo o sentido. Lemann e sua turma mitigariam o baita prejuízo que tiveram, a empresa sofreria uma necessária operação cleaner e surfaria em pelo menos um triênio em que a absorção doméstica promete vendas gordas de produtos básicos de consumo, de uma frigideira a lençóis de cama. Bem, querer não é poder.
Mas sugando da poética de Gilberto Gil mais uma vez, fica o bom augúrio. “Refestança, dança, dança, dança, dança… Que a esperança é vontade.” Tomara que tenha chegado a hora da Americana desatar seu cinto de segurança.
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