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A usina de invencionices do Palácio do Planalto em relação à Vale não tem descanso. A geringonça da vez atende pelo nome de Caraíba Metais. O governo alimenta a ideia de que a mineradora faça uma oferta para a aquisição da fabricante de derivados de cobre da Paranapanema. A “epifania” surgiu no bojo do anúncio, com pompa e circunstância, da duplicação da produção de cobre da Vale.
Um motivo perfeito para um contrabando nos planos da companhia. Como de hábito em todas as tentativas do governo Lula de intervir na gestão da companhia, a proposta é envernizada por argumentos de ordem técnica. A compra da Caraíba aumentaria o valor adicionado da operação de cobre da Vale, uma área cada vez mais estratégica para a mineradora.
Com a aquisição, ela assumiria o único smelter do metal no Brasil – localizado em Dias d’Ávila (BA). O ingresso no negócio de refino permitiria à companhia processar subprodutos de alta demanda, como cátodos de cobre, fundamentais para transição energética – entre outras aplicações, são usados em painéis solares e turbinas eólicas. Até faz sentido. Faz tanto sentido que, em 2008, a Vale manifestou publicamente interesse na compra da Caraíba, em um pacote que incluiria ainda a Cibrafértil, o então braço de fertilizantes da Paranapanema.
Dois anos depois, chegou a apresentar uma oferta de R$ 2 bilhões para adquirir o controle da própria holding.
Mas, hoje, passada uma década e meia, a que custo a Vale incorporaria a Caraíba Metais? A empresa está no bolo da recuperação judicial da Paranapanema, com uma dívida de R$ 450 milhões. A planta de refino de Dias d’Ávila opera de maneira errática. No ano passado, as atividades ficaram paralisadas por meses e foram retomadas apenas no terceiro trimestre. Significa dizer que a Caraíba passou a maior parte do ano sem gerar receita.
Os salários dos trabalhadores atrasam constantemente. Ou seja: a Caraíba de hoje em nada lembra a empresa que chegou a processar 220 mil toneladas de cobre eletrolítico por ano. Da mesma forma que a Paranapanema não é nem sombra do que um dia se apresentou como um grande conglomerado mínero-metalúrgico. Desse tempo, sobraram apenas duas unidades de negócio: a própria Caraíba e a Eluma, produtora de semielaborados de cobre e suas ligas, com suas fábricas em Santo André (SP) e Serra (ES).
A Paranapanema não divulga separadamente os dados financeiros das duas subsidiárias. O que se sabe é que a holding teve, entre janeiro e setembro do ano passado, uma receita de R$ 329 milhões, uma queda de 63% em relação a igual período em 2023. A companhia é uma incineradora de dinheiro. Nos nove primeiros meses de 2024, registrou prejuízo de R$ 1,3 bilhão.
O último balanço com lucro faz uma década. Foi em 2015. De lá para cá, a Paranapanema acumula perdas de mais de R$ 7,8 bilhões. Nesse período, vivenciou também uma troca frenética de executivos. O mais recente CEO, o ex-Suzano João Pinheiro Nogueira Batista, não durou nem três meses completos no cargo. Chegou em novembro e já saiu em janeiro.
Nesse contexto, o que o governo não diz e certamente não dirá, é que, por tabela, a venda da Caraíba para a Vale ajudaria a tirar da Caixa Econômica um enclave que caiu e não quer sair de seu colo.
A Caixa é um dos maiores acionistas da Paranapanema, com 10% do capital. Integra um condomínio de investidores que reúne Mineração Buritirama (5,3%), Serenity Fundo de Ações (6,1%), os ativistas Silvio Tini de Araújo (4,4%) e Luiz Barsi (3,9%), Glencore (3,5%) e Yap Investimentos, dona da maior fatia societária (20,9%). Já foi pior para o governo, é verdade: mesmo que indiretamente, o Estado foi por muito tempo o maior sócio da holding por meio da Previ e da Petros – as duas fundações venderam suas participações exatamente para a Buritirama, do empresário João José Araújo, filho do próprio Silvio Tini de Araújo.
Nos últimos anos, por sinal, a mineradora despontou com uma possível solução para as sucessivas idas e vindas da Paranapanema. Juntos, a Buritirama e o próprio Araújo, na física, chegaram a somar 38% de participação no capital. No entanto, o projeto de reestruturação da Paranapanema jamais saiu do papel. Gradativamente, a Buritirama se desfez da maior parte das suas ações.
Até porque a empresa tem seus próprios enroscos para cuidar, como uma dívida de mais de R$ 1,4 bilhão que levou a uma disputa judicial com o Santander, credor da mineradora em mais de R$ 500 milhões. O fato é que o risco Paranapanema paira sobre o governo. No início do ano passado, por exemplo, os trabalhadores da Caraíba aproveitaram uma viagem de Lula a Camaçari (BA) para entregar pessoalmente a ele uma carta pedindo socorro pela crise da companhia.
Por que cargas d’água a Vale iria pegar essa granada sem pino? O RR encaminhou uma série de perguntas à empresa, mas não obteve retorno.
O governo Lula é pródigo em testar ao limite a governança da Vale. O ponto alto, contando apenas o terceiro mandato, foi a coação para que Guido Mantega assumisse a presidência da companhia. Agora mesmo há pressões de Brasília para que a Vale compre a mineradora Bamin, dona de uma mina de ferro em Caetité (BA).
Seria uma tentativa de salvar a construção do trecho 1 da Fiol (Ferrovia Oeste-Leste) – controlada pelo Eurasian Resources Group, do Cazaquistão, a Bamin já sinalizou que não levará o projeto adiante, conforme informou o RR. A ideia de a Vale incorporar a Caraíba tem como principal artífice Rui Costa.
Como se sabe, tudo o que está na Bahia interessa a Costa, uma espécie de prócer do estado. O superministro da Casa Civil está no rol dos políticos que ainda tratam a mineradora como estatal e, portanto, um istmo do governo. Costa foi um dos operadores políticos da ofensiva para assentar Mantega no comando da empresa. As constantes tentativas de intervenção tornam a relação entre o governo e a Vale um fio de alta tensão.
Na semana passada, Lula esteve reunido com o novo CEO da mineradora, Gustavo Pimenta. Ao fim do encontro, o presidente da República disse que a empresa se dispôs a “ter um novo comportamento com o governo, após ter sido governada de maneira muito irresponsável”. Conhecendo-se Lula, sabe-se muito bem o que ele quis dizer como “novo comportamento”. Conhecendo-se a governança da Vale, pode se dizer que a empresa seguirá com o seu “velho comportamento”.
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