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Brasil é um peixe ensaboado nas discussões sobre subsídios internacionais à pesca

  • 23/07/2024
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Uma pauta cheia de escamas aguarda o governo Lula na reunião do Conselho Geral da OMC (Organização Mundial do Comércio), marcada para hoje, em Genebra. Em jogo, a costura de um acordo com o objetivo de delimitar os subsídios públicos para a pesca. A princípio, pode até parecer uma agenda prosaica diante dos grandes embates comerciais travados na OMC. Mas não há nada de prosaico em um setor que movimenta mais de US$ 200 bilhões em exportações por ano, no momento em que a segurança alimentar e o suprimento de proteina animal é uma das grandes variáveis geoeconômicas mundiais.

 

A discussão, travada no âmbito da OMC há mais de duas décadas, mistura no mesmo pirão acusações de protecionismo comercial e de danos ambientais. A fase preliminar do tratado foi concluída em 2022. Desde então, o concerto das nações bate cabeça para chegar aos finalmentes. A 13ª Conferência Ministerial da OMC, realizada em Abu Dhabi, no último mês de março, virou uma briga de peixe-espada, acirrando divergências entre os países e blocos econômicos. O Brasil é uma esfinge.

 

A diplomacia brasileira participa das discussões e afirma e reafirma que o país é favorável às restrições às subvenções oficiais. No entanto, o governo Lula não subscreveu dois manifestos recentes de países membros da OMC, pedindo o fim dos subsídios prejudiciais à pesca – entre os quais, recursos para construção e modernização de embarcações envolvidas em ações ilegais, para armazenamento de estoques de origem desconhecida ou para pesca em alto mar fora da jurisdição nacional. Um desses documentos, chancelado por 36 países, teve a adesão de vizinhos do Mercosul e da América do Sul como um todo – Argentina, Chile, Uruguai, Colômbia, Equador e Peru. Em 2021, a gestão Bolsonaro declarou ser a favor de cortes globais nos subsídios que acabam impulsionando a sobrepesca e a pesca ilegal. Ficou nisso.

 

Sai governo, entra governo, a impressão que se tem é que o Brasil defende a redução das subvenções, mas, preferencialmente, no oceano dos outros. Os “outros” seriam um seleto grupo de países que efetivamente se valem de uma política de financiamentos públicos predatória. Segundo estudo da Universidade da Colúmbia Britânica, no Canadá, e da ONG Oceana, os Estados soberanos despejam anualmente mais de US$ 22 bilhões em subsídios considerados danosos, tanto do ponto de vista comercial quanto ambiental. O top ten – composto por China, Japão, Coreia do Sul, Rússia, EUA, Tailândia, Taiwan, Espanha, Indonésia e Noruega – responde por algo em torno de US$ 15 bilhões. Desse valor, mais de um terço, ou US$ 5,4 bilhões, se destina a financiar atividades em águas jurisdicionais de terceiros. Ou seja: uma pirataria pesqueira com chancela oficial, que causa um enorme grau de disparidade entre os países.

 

O Brasil sequer aparece no ranking dos subsídios. Seus programas de crédito ao setor – como o Pronaf Pescador e o Povos da Pesca Artesanal – somam valores ínfimos. A maior iniciativa de apoio ao setor – o seguro-defeso – está mais para um “bolsa família da pesca” do que para um subsídio a uma cadeia de negócio. De fato, o Brasil não passa de uma sardinha entre tubarões: responde por mísero 0,25% do comércio mundial de pescados. É uma participação inexplicável, quase uma esquizofrenia, tratando-se de um país que tem mais de sete mil quilômetros de litoral e a maior rede hidrográfica do mundo, com 55 mil quilômetros de rios. Ainda assim, mesmo com a diminuta fração do Brasil nas transações comerciais, o Itamaraty trabalha para que o país tenha um peso razoavelmente maior na formulação de um acordo na OMC. A leitura no Ministério das Relações Exteriores é que a posição do governo brasileiro pode levar de arrasto outros países da América do Sul, formando um bloco mais ou menos na mesma direção. Ou seja: regras mais duras para os peixes graúdos dos subsídios internacionais e mais flexíveis para as espécies menores. A ver.

#Lula #OMC.

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