Bolsonaro incomoda o empresariado de cima a baixo

  • 31/08/2021
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O manifesto “A Praça é dos Três Poderes”, que será lançado nos próximos dias, revela uma metamorfose do presidente da Fiesp, Paulo Skaf. No lugar do Mr. Hyde, apoiador de primeira hora do presidente da República, surge um Dr. Jekyll empenhado em fazer um revisionismo da sua posição de bolsonarista raiz – ainda que o comunicado tangencie a conduta e a gestão de Jair Bolsonaro. A guinada de Skaf indica a influência do futuro presidente da Fiesp, Josué Gomes da Silva, eleito para o cargo com o apoio do atual mandatário. Josué endossou o manifesto elaborado pela entidade.

Esse Skaf repaginado tenta, inclusive, dar um caráter mais plural à iniciativa. Segundo o RR apurou, emissários do presidente da Fiesp sondaram a CUT e a Força Sindical para que ambas assinem o documento. Na realidade, com a devida discrição, o próprio Josué estaria conduzindo os entendimentos para buscar o diálogo com a “esquerda”. Skaf não está tentando reinventar a roda. O Brasil tem uma história de união entre o capital e o trabalho em situações limítrofes, vide o movimento pela redemocratização nos anos 80.

O objetivo do empresariado, com esses atos, não é pautar o governo e muito menos mudar sua direção, mas, sim, apontar um novo rumo para 2022. E esse rumo não passa por Jair Bolsonaro. E tampouco por Lula. O próximo passo será a elaboração de um programa de governo. De certa forma, esse movimento já está em curso no âmbito do “Imagine Brasil”, iniciativa liderada pelo empresário Pedro Passos, que tem o ex-presidente do Banco Central Affonso Celso Pastore como um de seus principais formuladores. Feito isso, o desafio seguinte das elites empresariais será encontrar o candidato da terceira via.

O RR não arrisca palpite, mas, neste momento, as setas parecem apontar para o governador João Doria. Paulo Skaf jamais pertenceu às elites empresariais, mas entendeu o Zeitgeist. O que ele está fazendo neste momento, no crepúsculo de seu longo mandato na entidade, é guiar seu rebanho “fiespiano” na direção dos seus parceiros do andar de cima. O espírito do tempo conduz também outro segmento empresarial que até então era um reduto fiel ao presidente Jair Bolsonaro. Ontem, diversas entidades do agribusiness – entre as quais a Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), Associação Brasileira dos Produtores de Óleo de Palma (Abrapalma) e Associação Brasileira dos Industriais de Óleos Vegetais (Abiove) – divulgaram uma nota conjunta em defesa da democracia e contra “aventuras radicais”.

Os produtores rurais também estão atendendo ao clamor silencioso dos mais poderosos. Essa junção entre diferentes castas do empresariado não chega a ser uma novidade no Brasil. A principal referência histórica são as Conferências Nacionais das Classes Produtoras (Conclaps), enormes congregações empresariais realizadas entre 1945 e 1977. A quarta e última Conclap reuniu mais de dois mil empresários no Hotel Nacional, no Rio, sob a coordenação técnica de Carlos Langoni. Na ocasião, a Conferência aprovou a divulgação da Carta do Rio de Janeiro, com propostas para a área econômica que foram encaminhadas ao então ministro da Fazenda, Mario Henrique Simonsen. O RR previu o óbvio: a entrada das elites no jogo – ver edição de 11 de agosto. Os manifestos dos empresários não vão se circunscrever ao documento encabeçado por Paulo Skaf ou à nota das entidades do agronegócio, que, por sua vez, se unem à peça “Eleições serão respeitadas”, lançada no início de agosto com o apoio, entre outros, de Roberto Setubal, Pedro Moreira Salles, Pedro Passos e Carlos Jereissati. Vem mais por aí, sejam manifestações multissetoriais, sejam ações conduzidas por segmentos específicos da economia. Como cravou o RR, as elites estão conversando.

#Fiesp #Jair Bolsonaro #Paulo Skaf

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