Noves fora um ajuste fiscal justo, que não foi feito – e provavelmente não será -, o governo não adotou uma medida fulcral e está deixando outra escorrer como água entre os dedos. O primeiro caso se refere à ampliação da meta inflacionária. O RR bateu e bateu na questão (https://relatorioreservado.com.br/noticias/aumento-da-meta-de-inflacao-e-um-prato-requentado-que-volta-a-mesa/. Incrível, no governo Bolsonaro, os mais reputados nomes da economia matemática do país defenderam com ênfase a mudança do centro da meta de 3% em, aparentemente, “mísero” 0,5 ponto ou 1 ponto percentual. Os especialistas são o matemático do Impa Aloísio Araújo e simplesmente o implementador do inflation target no BC, Sérgio Werlang, quando era diretor da instituição na gestão Arminio Fraga (
https://relatorioreservado.com.br/noticias/inflation-target-nas-alturas-tem-seus-dias-contados/).
O mercado, leia-se as instituições financeiras, já que o uso da palavra mercado “inclui o macrocosmo da economia”, amaldiçoou as medidas. Houve até quem defende-se uma meta de 2%. Com uma eventual mudança do centro da nova meta para o intervalo entre 3,5% e 4%, chegou-se a pensar em 4,5%, é possível que a pressão sobre o fiscal e sua onipresença no balanço de riscos permanecessem, mas o frisson que tomou o mercado poderia ser bastante atenuado. Esse refresco facilitaria o aumento da banda alta para 5% – na hipótese do centro da meta subir para 3,5% – cenário em que o BC se sentiria mais confortável para fazer sua política de juros. A medida reduziria a pressão dos agentes da economia real e relativizaria os choques exógenos e endógenos. No primeiro caso, estão as guerras pelo mundo, a virada da política comercial da Europa, a permanente e sofrida espera sobre o que o FED vai fazer com as taxas dos Treasuries e as oscilantes previsões do crescimento da economia chinesa, entre os quesitos mais destacados. No segundo, sobressaem-se os choques de oferta, em que mesmo variáveis imprevisíveis – tais como as enchentes do Sul e agora as previsões de secas no Centro-Oeste, o efeito El Niño mais forte do último verão e uma gotícula de possibilidade de crise hídrica – seriam mitigados pela ampliação do centro da meta. Ela permitiria uma política de juros mais comportada. Na banda mais alta do target caberiam, inclusive, as declarações disparatadas de Lula sobre juros, câmbio e gastos fiscais. Diz-se que uma das métricas sobre a qualidade de um presidente do BC é a economia de declarações. No exótico case nacional, o presidente da República se arroga de também ser a autoridade monetária, e fala pelos cotovelos.
O centro da meta em 3,5% praticamente já ancoraria as expectativas, mesmo que a inflação chegasse a 3,7%, ou seja, um pouquinho acima da meta revista. Pois bem, Inês é morta. Como mesmo os próprios críticos da forma como foram estabelecidas as metas acham que o tempo para adoção da medida passou. Qualquer mexida agora nessa área jogaria por terra a credibilidade do BC. Vamos, portanto, pagar todos juntos o preço injusto da arrogância monetária dos doutores.
Chegamos, então, à medida que está escorrendo entre os dedos. A meta de inflação ampliada está pronta para ser adotada no Congresso. Ela regulamenta a apuração do cumprimento do target em dois ou três anos, permitindo um tempo maior para correção de rota e dissipando por mais tempo o frenesi do mercado, permitindo os juros mais baixos a manutenção ou ampliação do atual ciclo de renda mais alta da população, emprego no pico, desemprego no vale e um trocado no bolso. Aliás, como a política de juros altos em 30 anos é uma jabuticaba brasileira, a adoção de um calendário de um ano para medir o cumprimento da meta é coisa nossa e de meia dúzia de países, se tanto. Quanto ao fiscal, que foi por onde começou esse texto, tem de ser feito urgentemente. Mas um ajuste limpo, redistributivo, alinhado ao aumento da produtividade da economia, às correções das disfuncionalidades do Estado e às políticas ambiental e social Se a questão são cortes de gastos, há gorduras e enriquecimento produzido nas costas do povo devido à postergação de uma tributação dos dividendos, a eterna rediscussão para não dizer diretamente diminuição dos altos salários dos Três Poderes, cortes no oceano de subsídios (não pode nenhum setor receber prebendas fiscais por décadas e não se tornar maduro), a manutenção do emprego público vinculada à auditoria de performance do funcionalismo e flexibilização, ou “modernização”, palavra sábia de Simone Tebet, do engessamento de gastos orçamentários. Há muito por fazer para emponderar as políticas públicas do país. O importante é o que o governo enfrente os lobbies e coloque o bloco das boas medidas já decididas na rua. É hora de enfrentar os flibusteiros, aproveitadores e corrigir os erros caseiros. O Brasil ainda respira fundo.