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Até quanto os investimentos vão resistir ao terceiro mais alto juro real do mundo?

  • 3/09/2024
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O que Irving Fisher diria em relação ao Brasil de hoje? Na contramão de um dos expoentes da economia neoclássica e da sua teoria de que as decisões de investimento são fortemente dependentes da taxa de juros, o país vive um enigmático paradoxo. O que se vê neste momento é uma convivência incomum entre juros altos e aumento do volume de recursos destinados ao setor real.

A curtíssimo prazo, essa incongruência pode soar como uma notícia alvissareira. Mas, parafraseando Keynes, o risco é que, a longo prazo, a boa nova esteja morta. A questão é saber se – e até quando – essa contradição se sustentará ou se, logo ali na esquina, a prática se reencontrará com a teoria e o país experimentará uma seca de investimentos em decorrência dos juros altos.

Talvez a explicação seja mais simples do que pareça. O aumento dos índices de investimento pode ser reflexo de uma base de comparação muito baixa. Ou da entrada de recursos no país para projetos de transição energética. Pode ser também em decorrência de programas como o PAC e o Minha Casa, Minha Vida, com significativo impacto sobre o setor de construção civil. Mas a priori, à luz dos dados, há uma contradição difícil de entender.

O que se vê é uma combinação de indicadores que parecem ter saído de países diferentes. Embora ainda abaixo do ideal e da média mundial, a taxa de investimento está na faixa de 18% do PIB, a maior em uma década. No acumulado entre janeiro e julho, o IED (Investimento Estrangeiro Direto) somou US$ 45,07 bilhões, um avanço de 20% em comparação à cifra registrada nos sete primeiros meses de 2023.

A Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) cresceu 7,3% no segundo trimestre sobre o trimestre anterior. Há projeções, caso da XP, de que a FBCF vai fechar 2024 com alta de 1,3% – o acumulado nos últimos 12 meses ainda é negativo (- 1,2%), conforme dados do Ipea. O intrigante é a coabitação entre esses números e a terceira maior taxa de juros real do mundo, superior a 7% – à nossa frente, apenas a Turquia (12,13%) e a Rússia (7,55%).

As contas não fecham. Há muitas pontas soltas nesse novelo.

As circunstâncias indicam uma possível estagnação ou, o que é pior, um ajuste para cima da Selic em 2025. O mercado prevê uma taxa de 10% para dezembro do ano que vem, com inflação de 3,92%, segundo o Boletim Focus divulgado ontem. Para 2026, a projeção é de uma Selic de 9,50% e IPCA de 3,6%. Já para 2027, a estimativa dos agentes financeiros é de uma taxa de juros de 9% e inflação de 3,5%. Ou seja, pelas previsões do mercado, o Brasil seguirá no clube dos juros reais mais altos do mundo.

Pode não ser agora, de imediato, mas esta é uma bola de neve com enorme potencial de levar de arrasto os investimentos privados no país. É uma lógica quase inexorável. Nesse caso, a fatura cairia no colo em que sempre cai, o do Estado. Ou seja: a questão sairia de uma encruzilhada para entrar em outra. A margem do governo federal para investir é ínfima. Os gastos discricionários estão sendo devorados pelos obrigatórios e pelos orçamentos paralelos do Legislativo.

De onde sairá o dinheiro para que a população tenha acesso ao mínimo necessário e o país reúna os requisitos básicos de uma economia competitiva? Para que isso ocorra, o Brasil terá de dobrar os investimentos em infraestrutura, de 2% para 4% do PIB, nos cálculos do economista Claudio Frischtak, uma das maiores autoridades do assunto no país.

Por ora, essa inusitada coexistência entre juros reais nas alturas e investimentos crescentes pode até parecer mais uma das tantas excentricidades made in Brazil. Uma doce jabuticaba. Porém, logo ali na frente, ela pode se revelar uma atemoia, fruta típica dos trópicos que, uma vez colhida e não consumida, apodrece em apenas um dia.

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