Política

Ajuste fiscal x os “desajustes” de Lula

  • 30/10/2023
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O anúncio de que a meta fiscal poderá tranquilamente não ser cumprida sem maiores ônus para a economia mostra “Lula sendo Lula”. O presidente muda compromissos, ideias, pensamentos em praça pública, sem que ninguém entenda. Não que seja mimético, um camaleão. Ele é o mesmo de sempre. Mas suas intenções é que são difíceis de decifrar. Elas, porém, existem. Complicado é o seu modo de fazer política; ele fala de forma oblíqua e contraditória, mirando o que os outros não veem. É senso comum no mercado que o presidente deu um by pass no ministro Fernando Haddad. Disparatou. Convocou um café da manhã com a imprensa para desautorizar seu principal ministro. Jogou para o alto todo o esforço da política econômica de acertar o fiscal. O que interessa é a gastança com investimentos e a humilhação frente ao Centrão. Essa interpretação faz mais sentido para os que acham Lula um “Bonaparte nordestino”, um político senil ou um caso de borderline avançado. Convém colocar mais elementos nesse caldeirão fiscal já transbordando de incertezas.  

O ministro Fernando Haddad, uma rocha para o mercado, mas sincero e sensato quando está no Planalto, já disse publicamente sobre sua insegurança no cumprimento da meta fiscal. No final de agosto, afirmou que ela dificilmente seria atingida, não obstante o mantra de que tudo será feito para alcançá-la. Ainda em outubro, o secretário do Tesouro. Rogério Ceron, apontou dificuldades para o cumprimento da meta de zerar o déficit do resultado primário. Todos, porém, falaram que nada muda na determinação do governo. Amém. Ou seja, dá empate quando se coteja as declarações sobre a firmeza de alcançar a meta com as dificuldades de alcançá-las.  

No mesmo dia da sua fatídica declaração, Lula falou com Haddad – assim como fala praticamente todo dia, presencialmente ou por celular. Estranha-se esse desentendimento. Seria uma peça de ficção se o presidente decidisse tomar para si a responsabilidade de flexibilizar uma meta desacreditada pela maioria do governo? Pelo Congresso? Pelo mercado? Pode haver um pulo do gato nessa pantomima.  Qualquer declaração dada por Lula já nasce “amaciada”, digamos assim. Suas contradições são facilmente digeridas. E ele voltar atrás não é novidade alguma. O presidente quer se livrar do discurso fura-teto, trazendo à baila o que todo mundo já sabe: as dificuldades políticas e orçamentárias para chegar a uma meta, que depende mais dos demais Poderes do que do governo.  

Como está tudo vinculado à receita fiscal, os sinais macroeconômicos indicam que o cenário tem piorado nesse quesito. Lula, portanto, estaria protegendo seu ministro da Fazenda, que permaneceria firme na defesa do seu objetivo, deixando para o presidente as dúvidas e relativizações. Se estourar o resultado do primário não furou teto nenhum. Não será improvável se Lula, em algum momento à frente, afirmar que a meta está mantida e o governo fará tudo para cumpri-la. De forma subliminar, o presidente vai jogando jeitosamente a dificuldade do ajuste nos interesses corporativos do Judiciário e Legislativo.   

Lula pretende trocar o rombo no orçamento pela aprovação não só da reforma tributária, mas de outras medidas estruturais – a reforma administrativa, por exemplo, conforme informou o RR. Para o mercado, que quer o ajuste fiscal para hoje, jogar com o tempo dessa maneira é que nem ler hieróglifos. Mas o que seria 0,25 pp a mais no déficit primário se esse rombo significasse o ajuste de um Estado disfuncional, ainda que um pouco mais caro do que o projetado. O presidente estaria jogando na sua carapaça de rinoceronte o impacto negativo já dado. Sendo o único que tem o condão de soluções improváveis, caso elas venham a ocorrer. O RR acredita que o enredo da meta fiscal ainda não terminou. Até agora, Lula fez política sempre de um modo esquisito, mas nunca deu pistas de que é maluco.

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