Categoria: Especial

Especial
Os acionistas de referência da Americanas sumiram da “cena do crime”
16/08/2023Nem parece que a Americanas tem dono. Gradativamente, Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira têm conseguido a façanha de descolar sua imagem do escândalo contábil da rede varejista, praticamente dissipando suspeições quanto a sua responsabilidade por uma das maiores fraudes empresariais da história do país. Parafraseando Sartre, os culpados são os outros. É o que mostra um minucioso levantamento obtido pelo RR. Trata-se de uma varredura nos 75 veículos impressos e online de maior circulação e audiência do país, produzida a partir de ferramenta da Knewin, maior empresa de monitoramento de mídia na América Latina. Os dados mostram com razoável detalhamento o “fade out” dos três acionistas de referência da Americanas ao longo dos meses. Em janeiro, mês em que o escândalo veio à tona, houve 3.062 menções a Lemann, Telles e Sicupira relacionadas à companhia. Em fevereiro, o número caiu para 2.322 citações. Nesse mês, ressalte-se, há um detalhe que fez diferença e, àquela altura, causou certa distorção no noticiário: o fator Lula. Em entrevista, ao ser perguntado sobre a fraude da Americanas, o presidente da República disse que “Lemann era vendido como suprassumo do empresário bem-sucedido no Planeta Terra” e “vai acontecer com ele o que aconteceu com Eike Batista”.
As declarações de Lula, como não poderia ser diferente, impulsionaram a exposição de Jorge Paulo Lemann e consequentemente de seus sócios em fevereiro. Mas, naquele momento, os três investidores já esvaneciam no noticiário. Em março, apenas dois meses após a revelação dos crimes contábeis da Americanas, é possível verificar a primeira queda brusca das menções a Lemann, Sicupira e Telles: foram 919 registros. A partir daí, a vinculação dos três investidores às fraudes da companhia despencou. Em julho, os 75 veículos monitorados fizeram somente 92 citações a Lemann, Telles e Sicupira associadas à Americanas. Ou seja: uma média de três registros por dia ou 1,2 por publicação ao longo de 30 dias. É como se os três investidores tivessem sumido do radar. Mérito da notória estrutura de lobby e de um trabalho institucional de excelência junto às mídias. Por sinal, o talento do trio para desaparecer começa dentro de casa: no próprio site de RI da Americanas, na composição acionária, os investidores sequer são nominalmente mencionados. Lemann e cia. se escondem atrás do termo “acionistas de referência”.
Culpados?
A julgar pela exposição na mídia, os acionistas de referência da Americanas já estão absolvidos pelos delitos contábeis da companhia. É o que sugere outro indicador do levantamento obtido pelo RR. Quando a busca se deu pelos termos “Jorge Paulo Lemann” E “Marcel Telles” E “Carlos Alberto Sicupira E “culpados”, até houve um momento em que o noticiário trouxe uma percepção de responsabilização dos investidores. Em janeiro e fevereiro, houve, respectivamente, 21 e 20 citações. Logo depois, em março, esse número desabou para cinco, zerando em abril e maio. Em junho, curiosamente, é possível identificar um repique: 51 registros. Algo similar ocorreu quando a pesquisa se deu com base nas expressões “Acionistas de referência” E “culpados”, uma forma de se aferir uma eventual incidência de reportagens em que os sócios da Americanas não fossem aludidos por seus nomes. Nesse caso, foram 70 matérias em junho, o maior indicador mensal do período analisado.
No entanto, nem tudo é o que parece ser. Uma vez que os nomes dos investidores ou a expressão “acionistas de referência” assim como o termo “culpado” estavam no mesmo texto, as matérias foram automaticamente capturadas na busca. Porém, ao se analisar o conteúdo, verifica-se que, não obstante as citações a Lemann, Sicupira e Telles, a expressão “culpado” não aponta na direção do trio. Ela está predominantemente associada a um contexto de responsabilização de ex-executivos da companhia e da dupla PwC e KPMG – as duas prestaram serviços de auditoria à companhia no período das fraudes.
O que chama a atenção neste caso não são as menções a ex-dirigentes ou às duas empresas de auditoria, todas mais do que justificáveis, mas, sim, a considerável assimetria no número de referências em relação à exposição dos acionistas da Americanas. Entre maio e junho, houve um salto nas citações à PwC (de 141 para 1.271) e à KPMG (de 134 para 990). O mesmo se aplica, em proporção ainda maior, ao ex-presidente da Americanas, Miguel Gutierrez. Em maio, os 75 veículos que serviram de base para o levantamento fizeram 79 referências ao executivo. Um mês depois esse número cresceu 16 vezes, chegando a 1.307 registros. Esse aumento pode ser explicado pela convocação de Gutierrez pela CPI que apura a fraude contábil da Americanas – o executivo acabou apresentando um atestado para não prestar depoimento. No mesmo mês de junho, para efeito de comparação, houve 560 menções a Lemann, Sicupira e Telles vinculadas à Americanas, bem abaixo, portanto, do total de citações a KPMG, PwC e Miguel Gutierrez. Mais uma vez, a leitura é que a máquina de persuasão da Americanas entrou em campo, com um intensivo trabalho de “criminalização” de outros atores. O levantamento, ressalte-se, não joga luz apenas sobre o trabalho de comunicação de Lemann e cia. Muito provavelmente aponta para onde a estratégia jurídica do trio vai caminhar. Os acionistas de referência da Americanas já definiram os “culpados”.

Especial
Decálogo das fatalidades na política econômica do governo Lula
23/05/2023Passados 144 dias de mandato do presidente Lula, é incontestável que pouco foi feito de efetivo, não obstante haver planos em gestação e medidas sendo refogadas pelos Poderes. Há dúvida se o governo se preparou para administrar o país ou se está capturado pela crescente dominação dos grupos de interesse. Mas, de favorável, a democracia pulsa com vigor e o Brasil tem condições bastante propícias para o fortalecimento da sua imagem junto ao concerto das Nações, muito em função da elogiável diplomacia da gestão Lula. Todas as previsões elencadas abaixo não estão muito acima ou muito abaixo do que dizem as diversas pitonisas do mercado e instituições acadêmicas. O RR não vai fazer juízo de valor. Apenas, à luz das notícias publicadas no seu site e nas mídias, colocar foco naquilo que parece irresolvível ou inexorável, mantido o caráter “impositivo” da atual conjuntura. Todas as afirmações estão ancoradas em diversas fontes – é fácil reconhecê-las na simples leitura -, mas o RR prefere não citá-las para não fazer uma competição entre os emissores de opiniões. Vamos ao decálogo do que deve acontecer, para o bem ou para o mal.
- Os juros não deverão descer de forma significativa, mantendo-se acima do 8% no final do mandato do presidente Lula, quem quer que seja o presidente do Banco Central. Mas, o BC dará alguma sinalização de queda, ainda que pequena, já em 2023.Em qualquer hipótese aventada na atual conjuntura, os juros brasileiros em 2026 ficarão no top ten dos maiores do mundo.
- A taxa de juros nominal vai se manter elevada, em 2026, entre 8,5% e 9%. A Selic real ficará entre 4% e 5%. As médias das duas taxas de 2023 a 2026 serão elevadíssimas.
- O regime de metas de inflação será alterado, provavelmente na reunião do Conselho Monetário Nacional dos dias 19 e 20 de setembro. Para esse ano, a meta será mantida, afinal mais um ou outro “furo” não fará tanta diferença assim frente ao histórico de descumprimentos pelo Banco Central. A mudança se dará no próximo ano no horizonte de aferição do cumprimento da meta.
- A taxa de inflação fechará o quatriênio na faixa de 4% no mínimo. Para o Brasil não é muito. Mas vamos suar juros altos para chegar nesse patamar. A discussão se a sua causa é de demanda ou devido a outras variáveis seguirá incontornável até o final do mandato de Lula. É provável que o fator indexação, maior responsável pela inércia inflacionária, seja citado aqui e acolá, sem que saia do limbo onde se encontra.
- Não é provável um crescimento da atividade produtiva além do resultado medíocre dos últimos 20 anos – de 2002 a 2022 –, quando o Brasil teve uma média de expansão do PIB de 2,2%. Esse indicador é o teto para o PIB, lembrando que é “impossível” um crescimento médio de 4,6%, o recorde desde 1990, conforme o realizado no segundo governo Lula, entre 2007 e 2010. A exceção é a prática de heterodoxias. Nesse terreno, quase ficcional, vale tudo. A desindustrialização permanecerá na pauta e o Brasil será um país agrícola.
- A renda per capita permanecerá como um retrato do “padrão iníquo da política econômica do país”. A projeção é que o PIB per capita recue entre 0,2% e 0,4% em 2023. Para 2024, a estimativa é de um crescimento de 0,3%. Em 2024, o Brasil teria um crescimento do PIB per capita da ordem de – oxalá – 1%. É tudo pouquinho.
- A concentração de renda vai aumentar em linha com o ocorrido – por incrível que pareça – nos últimos 100 anos. Entre 1822 e 2022, a população brasileira cresceu 46,3 vezes, o PIB aumentou 704 vezes e a renda per capita subiu apenas 15,2 vezes. O Brasil é o segundo do mundo no quesito concentração de renda, situando-se atrás apenas do Catar ou de Moçambique, segundo as diferentes fontes consultadas. O segmento de 1% detentor de mais de 50% da renda de toda a população vai crescer sua parcela em relação ao restante.
- Mesmo com os salários caindo em termos reais, o emprego deverá se manter no mínimo estável ou mesmo crescente no período entre 2023 e 2026, criando uma assimetria em relação à mediocridade da performance da atividade econômica, devido à redução dos salários e à desobrigação dos cumprimentos trabalhistas. São fatores estruturais e de acomodação de vetores que levam a essa dessintonia. A massa do rendimento do trabalho cresce. A expansão do consumo das famílias cai e a inadimplência aumenta.
- É inexorável que o ajuste fiscal, seja lá o que for considerado na prática “ajuste”, se dará por meio de aumento da arrecadação. A sociedade vai pagar o maior quinhão pelo equilíbrio das contas públicas.
- De bom, a garantia de tranquilidade da área cambial.