Categoria: Análise
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Análise
Será que vale toda essa obsessão com a União Europeia?
6/12/2024Do embaixador Jorio Dauster em conversa com o RR: “Como eu conduzi os primeiríssimos entendimentos sobre um acordo comercial entre a União Europeia e o recém-criado Mercosul quando era embaixador em Bruxelas na década de 1990, vejo agora sem grande interesse as notícias conflitantes de que o Acordo está prestes a ser assinado ou vai fracassar definitivamente. O fato relevante é que, durante essas décadas de negociações infrutíferas, a importância geopolítica da Europa desabou e a ascensão meteórica da China e de vários países asiáticos deslocou nossos maiores interesses comerciais para aquele novo centro de gravidade no cenário mundial. Com a crise política e econômica na Alemanha e na França, as locomotivas do grupo, e vários países adotando posições crescentemente centrífugas nos moldes da Hungria, o que se vê hoje é que a própria existência da União Europeia passa a ficar ameaçada. Em suma, se não sair o acordo nas próximas semanas, sugiro que joguemos o projeto na lixeira da História.”
Análise
Pacote fiscal é mais uma trapalhada do governo Lula
28/11/2024O pacote fiscal anunciado ontem foi condenado pela maior parte dos analistas do mercado e comemorado pelos partidos oposicionistas ao governo. O ministro da Casa Civil, Rui Costa, não apenas embarreirou medidas – ver RR (https://relatorioreservado.com.br/noticias/rui-costa-e-uma-pedra-permanente-no-caminho-de-haddad/) – como fez entrar no projeto alguns contrabandos políticos que acabaram por aumentar a extensão das medidas dependentes da aprovação do Congresso Nacional. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, queria fatiar o plano e ir toureando no tempo as mudanças. Mas venceu a tese de Costa de que o pacote teria de ser amplo, geral e irrestrito. Ou seja: teria de contemplar iniciativas já finalizadas ou ainda sob a forma de protótipo. Tudo de uma vez. Isso em um momento de enorme desconfiança da capacidade do governo de passar seus projetos – lembrai-vos que mesmo a parte aprovada da reforma tributária está atrasada, para não falar de uma parcela, referente à renda, que sequer foi apresentada. Com exceção das medidas com risco de efetividade ou perfunctórias, o governo colocou o seu arremedo de ajuste fiscal nas mãos do Congresso. É um mega sorvete de boas vontades, que, mesmo que fossem tecnicamente perfeitas, pecam pela montanha de proposições. E ninguém acredita que as conversas com os presidentes da Câmara, Arthur Lira, e do Senado, Rodrigo Pacheco, mesmo que registradas em cartório, tenham fé pública.
A priori, caso sejam aprovadas em sua maioria, as medidas criariam uma pauta quase permanente até 2026. É uma tese irreal. Mais fácil o feitiço se voltar contra o feiticeiro se o pacote for aprovado pela metade, hipótese razoavelmente plausível. Nesse caso, até mesmo a garantia de implementação das medidas autorizadas ficaria contaminada, além de colocar fermento na incapacidade política do governo. Há um caráter populista em várias das propostas, o que inclina um Centrão com a faca nos dentes a desaprovar ou pedir maiores contrapartidas para aprovação dos projetos. Com isso, a intenção de amansar o mercado saiu pela culatra.
Rui Costa também foi um dos artífices da inclusão da isenção do IR de uma faixa de renda maior da sociedade. Convenceu Lula de que a medida era a âncora política do pacote. Uma jogada de alto risco. O ex-presidente Jair Bolsonaro, por meio do seu ministro da Economia, Paulo Guedes, anunciou que faria o mesmo movimento durante a maior parte do seu mandato. Não conseguiu bulhufas. No caso, trata-se de uma proposta de campanha do presidente Lula. E seu mandato já está prestes a atravessar o segundo ano. Ela atende a um justo objetivo social. A questão é que veio fora do timing, atrapalhando a credibilidade do resultado primário e a proteção do arcabouço. Sem essa medida, o mercado estaria soluçando menos, com uma folga orçamentária maior. A justificativa de que a mudança no IR será compensada por aumentos de impostos aos ricos e super ricos também é risível aos olhos dos agentes financeiros. Na visão dos analistas, ela não passa pelo Senado. E nenhuma conta mais precisa foi feita para demonstrar que os valores dessa compensação estão casados com a perda de receita. Caso ela fosse lançada no final de 2025 ou início de 2026, seria considerada um ativo eleitoral do governo.
O ministro da Fazenda também queria uma contribuição maior vinda do corte dos subsídios. Chegou a fazer um arriscado movimento, considerado por muitos como fronteiriço à suspensão do sigilo bancário. Divulgou uma lista com as 100 maiores empresas favorecidas pelo governo e os valores respectivos. Mas novamente perdeu a parada. Haddad conseguiu somente atrelar os subsídios ao resultado primário: em caso de déficit, os benefícios não poderão ser prorrogados, criados ou ampliados. Sejam quais forem os critérios, a contribuição no corte de incentivos fiscais é nanica. A rigor, não há cortes. Eles serão meio que engessados em caso de insucesso da política econômica, o que ninguém quer. Por sinal, os próprios valores agregados das renúncias são controversos. Em não raras vezes Secretaria do Tesouro, Receita Federal e TCU batem cabeça. O TCU é quem mais acende o fogo no bambuzal dos subsídios. Informa que as renúncias fiscais tributárias, em 2024, chegaram a R$ 519 bilhões, além de R$ 127 bilhões de benefícios financeiros e creditícios, um total de incentivos da ordem de R$ 646,6 bilhões, segundo o TCU.
Mas não só Rui Costa entra na conta do iníquo pacote. Simone Tebet, que em público parece tocar a quatro mãos com o ministro da Fazenda, quando se trata das contas públicas é a própria Lady Macbeth. Impôs os cortes no Fundeb, contra a vontade de Haddad. A ministra queria incluir na PEC fiscal a desvinculação dos gastos com saúde e educação obrigatórios ao percentual constitucional. Esbarrou em Lula. Mas a navalhada no Fundeb e a mudança na regra do salário-mínimo, indexador de praticamente todo o orçamento, aplacaram sua obsessão por maior flexibilidade na gestão dos gastos.
No mais, são muitas promessas de atualização e correção nos cadastros e alteração de processos sem garantia de efetivo resultado. No desfecho, o pacote fiscal incendiou o câmbio (o dólar ultrapassou a barreira histórica dos R$ 6,00) e os juros no presente e na curva do longo prazo (há pouco, a taxa do contrato de Depósito Interfinanceiro para janeiro de 2026 subia de 13,55% para 13,845%). Ao mesmo tempo, deixou transparecer que o governo não tem unicidade, e, da forma frankensteiniana como foram organizadas, as iniciativas criaram mais incertezas do que o contrário. Não fossem somente esses quesitos, a comunicação foi péssima. Segundo uma fonte sibilina do RR, deveriam chamar os pais do Real para um curso de como anunciar um plano de medidas econômicas.
Análise
Uma segunda-feira de alto risco para o governo Lula
4/11/2024Análise
O ajuste fiscal entre a realidade e a esquizofrenia
30/10/2024Há dois vetores correndo em direção contrária quando se trata da onipresente questão fiscal do país. De um lado, a vitória esmagadora da direita nas eleições deveria reduzir a percepção de um risco ultra expansionista nos gastos públicos por parte do governo – as eleições para as presidências da Câmara e do Senado, Congresso, governos de estado e Presidência da República estão ali na esquina. Tradicionalmente, esses períodos são de aumento da distribuição de recursos públicos. Portanto, com menor pressão da esquerda sobre os gastos do governo, o fiscal deveria estar menos tensionado, os juros futuros, em queda, e o dólar, mais bem-comportado.
Essa é uma tese. Ou um dos vetores. O outro é que a vitória esmagadora da direita, na política de uma forma geral, projeta, desde já, a consagração da não alternância do Congresso nas eleições de 2026. O domínio do Centrão – ou seja lá o nome que se dê ao cárcere do presidencialismo de coalizão – fez do Executivo refém de um Legislativo pantagruélico. Um parlamento que joga contra o fiscal e troca passes com a grande parcela do mercado que defende o controle dos gastos da boca para fora. Desde 2015, o Congresso vem ampliando seu domínio sobre o orçamento da União. Na LOA de 2024 foram dirigidos cerca de R$ 50 bilhões em emendas. Há 10 anos, em 2014, esse valor era de R$ 6 bilhões. Ora, não há verba discricionária do orçamento que resista à gula dessa saúva. Aliás, não custa lembrar que o velho Antônio Carlos Magalhães está por trás desse formigueiro. Foi uma PEC de autoria de ACM (22/2020) que transformou o Orçamento Geral da União em impositivo, e não mais apenas autorizativo. Após 15 anos de tramitação, a medida iria a ser aprovada e promulgada (Emenda Constitucional 86) em março de 2015, quase oito anos após a morte de “Toninho Malvadeza”.
Existiria um terceiro vetor, invariavelmente aludido: são os juros norte-americanos. É evidente que eles têm algum impacto no câmbio, mas, no caso brasileiro, completam o maior aniversário de responsabilidade sobre a desvalorização da moeda – poucos países são reféns ou fazem o discurso de aprisionamento do câmbio há tanto tempo. É como se o Brasil sofresse uma espécie de “Síndrome de Paul Volker”, o presidente do Federal Reserve que praticou o maior choque de juros norte-americanos. Parece que a Selic estará eternamente atada, no mau sentido, aos movimentos dos Treasuries americanos. Seríamos um dos primeiros camelos da fila de dromedários que seguem ou parecem com a política de juros dos EUA. O terceiro vetor, portanto, parece mais uma justificativa crônica para um vício crescente de atribuir ao humor do FED a valorização ou desvalorização do câmbio brasileiro.
O mundo inteiro sofre quando o Federal Reserve move sua taxa para cima. Mas, parece que o Brasil sofre mais. No passado, o argumento era o alto endividamento externo. Agora é o infindável desequilíbrio das contas fiscais. Mais correto seria reduzir o excesso de influência atribuído as simples expectativas dos preços dos títulos públicos dos EUA na volatilidade do câmbio no Brasil, o q que levaria ao aumento da inflação, que, por sua vez, levaria ao aumento dos juros, que levaria a um déficit nominal maior, que exigiria um corte de gastos maior para que um superávit primário abatesse a conta da dívida pública interna. Simples assim. Ou não.
Por essa lógica, o argumento da esquerda de que o país sofre um ataque especulativo não cola, pois a onipresença do fiscal no tempo e sua associação com a taxa de juros altos pressuporia que o Brasil sofre uma captura especulativa permanente. Não faz sentido. Até porque o país não tem dívida em moeda forte. Pelo contrário. Dispõe de reservas cambiais elevadas, que. estão “estáveis no alto” – sua cifra gira entre US$ 360 bilhões e US$ 370 bilhões. É muito mais provável que o “desajuste fiscal” seja proveniente de disputa longa entre poderes dominantes. O fiscal seria o melhor eixo narrativo para distribuição de recursos de um lado para outro. Nesse contexto, mesmo não estando tão mal das pernas, as contas públicas permaneceriam em constante desajuste, para perpetuar seu objetivo implícito: distribuir recursos orçamentários para os grupos que capturam o Estado. Para resolver essa doença crônica do fiscal, talvez somente uma nova Assembleia Constituinte. Mas e o mercado nessa geringonça? Ele não é um vetor? Não ganha com juros altos? Essa é uma outra história, matusalêmica por sinal.
Análise
Do embaixador Jorio Dauster: “Pablo Marçal é bem pior do que Jair Bolsonaro”
28/08/2024Comentário, certeiro como sempre, do embaixador Jorio Dauster: “Pablo Marçal é bem pior do que Jair Bolsonaro. Na visão dele próprio, Marçal é muito mais inteligente do que aquele a quem chama sarcasticamente de ‘capitão’ o tempo todo. Marçal tem o domínio de técnicas que Bolsonaro nem sabem existirem. Tem as habilidades de comunicação de Silvio Santos na TV dirigidas para um novo meio, as redes sociais, ainda mais amplo e poderoso. Marçal está convencido de que chegará à Presidência da República tendo como trampolim a prefeitura de São Paulo. No caminho até lá, está cuidando de destruir a família Bolsonaro, pois já dá seu chefe como carta fora do baralho.”
Análise
Com ou sem Pimenta, a comunicação do governo Lula segue insossa
27/06/2024Análise
BC e Fazenda poderiam ter corrigido o regime de metas de inflação não fosse sua leniência
21/06/2024Análise
Haddad fala mais do que devia e desancora a expectativa de inflação
23/05/2024Análise
Rio Grande do Sul não pode ser desculpa para o desarranjo de toda a política econômica
21/05/2024Há um risco com indícios razoáveis dos dados projetados no Boletim Focus de ontem, com queda de todos os fundamentos, serem uma singela amostra da piora que ditará a conjuntura do ano de 2025. Passado quase um ano e meio de governo, vai ficando claro que o Lula III está a incontáveis quilômetros do Lula I. O Lula do presente não quer mais arrumar a casa, contradizendo seu discurso histórico em relação à economia no primeiro mandato. Vai tentar elevar à maior potência o dispêndio social; não poupará gastos inúteis; e jogará a conta da tragédia de Porto Alegre na incapacidade de enfrentar os lobbies dos incentivados grupos de interesse (há mais de 170 setores apaniguados, em suas diversas escalas, que mamam na teta fiscal do governo). E mais: empurrará a proposta de tributação dos dividendos para as calendas; assistirá impassível à destruição progressiva do arcabouço fiscal – que nasceu como uma bússola de previsibilidade e vai se tornando o inverso -, e justificará a inflação que tende a crescer como permanente acidentalidade, assim como os juros que deverão subir ou manter-se nas alturas. O Lula III também não parece disposto a liderar uma rediscussão, ainda que fosse apenas do prazo de implementação, da PEC do Quinquênio, a nova regra de aumento dos vencimentos de juízes e promotores que poderá custar aos cofres públicos até R$ 81,6 bilhões entre 2024 e 2026. Tampouco aparenta ter energia para a negociação do valor destinado às emendas parlamentares, uma fortuna de R$ 52 bilhões, exatamente o valor do pacote de medidas já anunciadas pelo governo federal para a reconstrução do Rio Grande do Sul.
O Sul do país, não obstante ser um desastre, com reflexo em toda a economia, poderia ser uma oportunidade para que Lula fizesse da queda um passo de dança. Quem sabe escrevendo uma nova “Carta ao Povo Brasileiro”, na qual dissesse que a reconstrução do estado é uma prioridade, mas que não abriria mão da rearrumação da economia, em 2025. Lula sairia, portanto, da sua inércia em relação às medidas necessárias para corrigir os rumos econômicos no próximo ano, sem invencionices ou trucagens.
A metamorfose do Lula III para o Lula I não pode ser somente jogada na conta do Rio Grande do Sul, mas também nas despesas e reformas que andaram para trás. E vão se acumulando gastos cada vez maiores, que nada têm a ver com o Sul. Exemplo: a deterioração da Previdência Social, que exigirá mais uma reforma, provavelmente já com início em 2025. Lula se fia na janela de oportunidades que as condições ambientais e de energia renovável oferecem ao país. Procede pensar que algum quinhão da grana necessária virá do exterior, quer seja sob a forma de novos negócios, ou mesmo “filantropia climática”. Mas um compromisso firme de que o Sul será passageiro – seja lá o quando durar o passageiro – e as diretrizes da política econômica serão corrigidas em 2025 já seria mais um estímulo às nossas vantagens comparativas nacionais. Basta uma carta. E ela não precisaria negar todo o esforço que será feito para a reconstrução do sul. Pelo contrário. Lula já daria uma forte mensagem se dissesse algo na linha: “Não faltará apoio ao Rio Grande do Sul, mesmo com responsabilidade fiscal, e não faltará responsabilidade fiscal, mesmo com o apoio ao Rio Grande do Sul”.
Lula ignora que a missão exige uma correção de rumo, mesmo que fosse por pragmatismo político – 2025 é a antessala da eleição de 2026. O presidente segue transformando uma plêiade de ministros em uma plateia de autoridades impotentes, dependentes do show off do seu mandarim – e agora também de uma primeira-dama emponderada. Tomara que essas linhas sejam somente um equívoco de um cenário antecedente. O Brasil merece muito mais do que isso. Não somente em 2025, mas daí para frente.
Análise
Apesar do “risco petróleo” sobre a inflação, queda da Selic poderia ser maior
9/04/2024Bendita a hora que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, conseguiu “mudar a meta de inflação sem mudar a meta de inflação”, com o regime de meta contínua. Caso contrário, o CMN (Conselho Monetário Nacional) já teria alterado o centro da meta de 3% para um patamar maior, com impacto sobre a credibilidade da política monetária. Há uma possibilidade de a inflação pipocar devido ao risco iminente de um choque na oferta do petróleo. De acordo com análise do Radar do Banco Itaú, se tornaram realidade “a extensão de cortes voluntários na produção de petróleo da OPEP+, além do maior prêmio de risco devido ao cenário geopolítico (na Ucrânia e em Israel), que causam temores de redução de oferta. Isso porque os ataques ucranianos nas refinarias russas reduzem a capacidade de produção de petróleo (o risco de uma escalada implicaria uma subsequente disrupção de mais refinarias). Além disso, há o risco de o Irã, que produz o equivalente a 3% da produção global, reduzir a oferta apor conta na escalada no Oriente Médio).”
Mesmo sem a batata da oferta das commodity ter assado, o petróleo atingiu o patamar mais alto desde outubro do ano passado, para cerca de US$ 90 o barril (Brent) no início deste mês. Do lado da demanda, o fortalecimento da economia global, o resiliente crescimento americano, além da recuperação em andamento na China, são fatores que jogam para cima os preços da commodity. By the way: segundo os dados do BC, o petróleo é a variável que tem mais efeito sobre a inflação no Brasil, seguido pelas commodities agrícolas. O cálculo aproximado é que um aumento de 10% no preço do barril de petróleo tem impacto de 0,66 ponto percentual no IPCA, após quatro trimestres, segundo estimativas apresentadas no último Relatório Trimestral de Inflação.
Amanhã, quando o índice de inflação for divulgado, é possível que a alta do petróleo já tenha provocado algum resíduo de aumento na medição da carestia. O resultado de abril confirmará ou não com maior consistência essa previsão, lembrando que o preço da gasolina já está com uma defasagem de 17% em relação aos valores de venda internacionais. Mas, com a santa meta contínua de inflação, o problema poderia ser mitigado e os juros prosseguirem sua marcha de queda a um patamar mais razoável em relação às taxas cobradas no exterior. Muito provavelmente, com um novo presidente do Banco Central.
O debate sobre a majoração da meta e o nível das taxas de juros necessárias para atingir o target esteve presente durante os dois últimos anos do governo Bolsonaro e parte do primeiro ano do governo Lula III. Já estava dado pelo mercado que a meta definida seria modificada. A mágica de Haddad foi a instituição da “meta contínua”. Explica-se a engenharia: na nova metodologia, o BC terá de perseguir a manutenção da inflação dentro da meta por prazos mais flexíveis e mais longos do que o calendário gregoriano. Assim o sistema de metas deixa de ter um “ano-calendário”. Mas o novo regime não é tão flexível a ponto de virar uma bagunça.
O ministro Fernando Haddad disse que o horizonte para o cumprimento da meta continua, na prática, será de 24 meses. Parece um estelionato monetário, mas é o contrário. Além do Brasil, somente Filipinas, Indonésia, Tailândia e Turquia usavam o calendário anual conforme nosso regime anterior à meta contínua. O motivo de toda essa rememoração é que, com Roberto Campos Neto na proa do BC, a promessa de baixar a Selic com mais intensidade foi contida. Ou seja: a sinalização de um ciclo maior de baixa dos juros foi suspensa. Com a meta contínua, talvez essa tenha sido uma medida demasiadamente conservadora. De qualquer forma, se o sistema de meta anual fosse mantido, Campos Neto teria acertado com o seu “devagar com o andor”, devido ao perigo de um choque do petróleo que se avizinha. A preocupação do presidente da autoridade monetária está ligada a algo a que o BC tem quase ojeriza: baixar os juros e, logo depois, precisar elevar as taxas rapidamente por razões que não estavam no script. De toda a maneira, atualmente analistas do mercado somente acreditam que a inflação ficará no centro da meta em 2025 caso a Selic saia dos atuais 10,75% e chegue a 9% no fim de 2024 e a 8,5% no ano que vem. Um cenário difícil.
Análise
Divisão federativa do Brasil é uma obra surreal
1/11/2023Se o saudoso engenheiro Eliezer Batista, ex-presidente da Vale, estivesse entre nós, diria que a circunstância seria a melhor possível para a fusão de municípios. O que faltaria mesmo é um governo forte para estimular a medida. Batista, quando secretário de Assuntos Estratégicos do governo Collor – o Ministério mais forte da gestão – passeava com os convidados em sua sala só de mapas gigantescos demonstrando que 56% das unidades federativas não tinham razão de existir – iam de lugar algum a lugar nenhum. Se fossem extintas, a sinergia dos municípios agregados geraria riqueza e a administração se tornaria bem mais viável.
O M&A dos municípios se daria em condições de complementariedade logística, concentração de indústrias, espaço para pecuária, demografia, orçamento, IDH, saneamento, entre outros vários quesitos. Hoje, 2195 cidades (41,8%) estão em condições críticas. Desse total, 1570 municípios sequer têm Câmara de Vereadores, segundo dados da Firjan, divulgados hoje pelo jornal Valor Econômico.
Eliezer Batista chamava o Brasil de um pé de galinha, ou seja, disforme por qualquer ângulo que fosse visto. Mas não seria tal medida inviável, uma verdadeira revolução? Pois bem, o exemplo não é dos melhores, mas “aqui mesmo”, na América, o presidente de El Salvador, Nayib Bukele, vai agrupar 262 municípios em apenas 44. A partir desse corte de 83% das cidades, o país terá 44 prefeitos, 44 curadores e 372 vereadores, número bem inferior aos atuais três mil. Para o Brasil, uma virada dessas de ponta cabeça é um sonho de verão.
Análise
Lara Resende desponta como favorito para a presidência do BC
13/02/2023Há uma disposição ferrenha do presidente Lula para levar André Lara Resende à presidência do Banco Central. Não há ninguém entre os colaboradores do governo que diga com tanta maviosidade o que Lula quer ouvir: taxa de juros, mudança da meta e, nas entrelinhas, uma autoridade monetária que toque o barco de forma afinada com a Presidência. Mas, sendo a versão válida, para que a substituição ocorra é preciso que Roberto Campos Neto jogue a toalha no chão. A blitzkrieg de Lula contra Campos Neto seria parte da operação para antecipar sua saída, prevista para ocorrer somente em dezembro de 2024, quando vence seu primeiro mandato, ou ainda em 2028, se ele decidir pela sua recondução. Pelo estatuto do Banco Central Independente, Campos Neto tem direito a oito anos de permanência no cargo, que somente podem ser abortados por desistência do titular do BC ou uma mudança sancionada pelo Congresso Nacional. Esta última hipótese é mais difícil: sondagens revelam a falta de apoio congressista à alteração da Lei Complementar n°179, de 2021, que sancionou a independência da autoridade monetária.
Lula, que se sente mais emponderado que nunca, adotou, ao que tudo indica, a tática de throwing in the towel, ou seja, de levar o regulador a pedir demissão com uma massa de críticas permanente a política da autoridade monetária. Trata-se de uma estratégia sistematizada por analistas políticos norte-americanos. Mario Shapiro, professor da FGV Direito SP, em artigo publicado no Valor Econômico em sua edição de hoje, avança na argumentação da malhação do judas no BC. Segundo ele, “diante das restrições impostas pelo BC, é típica a atribuição de culpa a autoridade monetária pelos infortúnios do governo (blame-shifting)”. Lula comprou a fórmula integral para retirar Campos Neto do cargo. É pau puro na política monetária inteira.
Do outro lado, Lara Resende tem sido tratado como um príncipe por Lula, Fernando Haddad e o comando do partido. Apoiou o presidente na primeira hora de campanha, participou do grupo de transição do governo na área de economia, integra o comitê de aconselhamento do BNDES, foi cogitado para ministro da Fazenda – quando chegou a se imaginar que Fernando Haddad poderia ser uma candidatura competitiva ao governo de São Paulo – e é nome cotado para um Conselho de Economistas para o Assessoramento Econômico da Presidência. Em tempo: nem Haddad, nem Simone Tebet, e aparentemente Geraldo Alckmin – que não dá um pio nessa discussão –, tem simpatia pelo tal Conselho.
Durante todo o período da campanha eleitoral à posse de Lula, Lara Resende foi um cruzado pela redução de taxas de juros, uma meta de inflação equilibrada, uma menor preocupação com a dívida pública e um diferimento maior da meta de inflação no tempo para avaliação da eficácia no cumprimento da política monetária. Tudo que Lara Resende diz é música para Lula. O presidente não suporta essa relação fria, equidistante, sem uma prestação de contas mais intima, que Campos Neto imprimiu à gestão do BC independente. Na verdade Campos Neto reza por uma cartilha única, sem improvisações. Lula detesta essa “autonomia” sem beija mão. É como se o presidente do BC fosse um cluster no seu governo. Quanto aos juros, são realmente inaceitáveis.
As fontes do RR arriscam a dizer que Lula quer romper com as algemas da ortodoxia. Gostaria de ter o seu “Plano Real monetário”. Para isso, teria de comprar a independência do BC, sem a qual Lara Resende não toparia a missão. Mas iriam de mãos dadas para a empreitada, já que um estaria mais ou menos sabendo como o outro se comportaria.
O BC precisa ser blindado
Em tese, um BC protegido constitucionalmente de interferências não é bom nem mau; apenas defende a autoridade monetária de virar um joguete dos interesses políticos dos governos. Quando o Banco Central eleva as taxas de juros, busca cumprir em sintonia fina sua tripla missão: controlar a inflação, perseguir o pleno emprego e zelar pela estabilidade do sistema financeiro. O sistema de metas de inflação procurou criar uma forma de definir e alcançar a carestia “razoável”. O Banco Central estabelece uma meta para a inflação e passa a persegui-la. É forçar a barra dizer que o BC ignora completamente o “pleno” emprego nos seus cenários, resultantes de centenas de variáveis que rodam nos seus modelos econométricos. A atual taxa de juros siderais está razoavelmente alinhada com uma subida do emprego formal e redução expressiva do desemprego – a taxa caiu de 14% para cerca de 8%. A percepção coletiva é que a autoridade monetária coloca o emprego no fim da fila, e a inflação à frente. Não há target para o nível “desejável” de desemprego.
Antes da criação do hoje anatematizado Banco Central independente, a autoridade monetária era instada a tomar decisões motivadas ou estimuladas por uma hierarquia de poder superior, ou seja, o Ministério da Fazenda e, em um andar ainda mais alto, a Presidência da República. O resultado, não raras vezes, eram medidas inconsistentes ou enviesadas, que, mesmo atingindo positivamente alguns dos seus objetivos – inflação mais baixa e/ou “pleno” emprego –, careciam de sustentabilidade. As decisões eram políticas e não técnicas, não obstante haver algum componente político em qualquer poeira do universo, quanto mais em uma gestão técnica do BC.
O assunto é complexo no mundo inteiro. Nem todas as coisas boas, contudo, estão condicionadas aos cânones da política econômica. Muitas vezes uma mudança na correlação de variáveis na lógica monetária e macroeconômica surpreende a todos com uma solução inesperada. Foi o caso do Plano Real, que, durante o seu período de formulação técnica, só tinha uma referência de efetiva operacionalização em Israel. Os jovens gênios da PUC, Persio Arida e o festejado André Lara Resende, trouxeram a ideia de inflação inercial para o campo de batalha da carestia e inventaram URV (Unidade Real de Valor). A sacada deu certo. A URV, planejada para ser transitória, teve como objetivo equilibrar preços relativos e remuneração de ativos. Ela funcionou como um transplante para adoção do real como moeda oficial do Brasil.
Não há nada mais óbvio do que afirmar que juros dependem do movimento de várias placas tectónicas da economia. Para tomar decisão sobre o a elevação, manutenção ou redução da Selic várias camadas do BC são acionadas. Um conjunto de técnicos altamente qualificados analisa previamente um oceano de dados, que serão rodados em modelos econométricos sofisticados, gerando os cenários variados para que o presidente do BC independente, juntamente com sua diretoria – todos indicados pelo presidente da República e aprovados pelo Congresso Nacional – batam o martelo. Todos esses atributos constam do “estatuto do BC independente”, que tanto incomoda Lula no presente.
Lembrai-vos de Henrique Meirelles
O presidente Lula é um animal político da estirpe mais elevada da sua espécie. Deve ter razões, certas ou erradas, que não são sua idade elevada e a irritação decorrente dos muitos anos já vividos – versão Faria Lima –, nem o poder superlativo concedido pelo 8 de janeiro, para bater de frente, publicamente, com Roberto Campos Neto. A impressão é que ele atira no pé do próprio governo. Lula insiste, com todos os exageros de retórica, o que o BC tem de fazer ou não. Parece não saber que suas declarações mais pressionam a taxa de juros de longo prazo, que é a que importa, do que resultam em um aumento de meio ponto da Selic.
No seu primeiro mandato, do qual se jacta de ter tido um BC autônomo e não independente, o presidente buscou intervir nas decisões do então titular da autoridade monetária, Henrique Meirelles. A literatura mais recente daquele período revela que Lula fritou Meirelles, ameaçou demiti-lo, mandou recados irritados, tinha até um candidato na manga do colete – o economista Luiz Gonzaga Belluzzo – tudo em função da taxa de juros. Achava que o elevado custo da moeda detonaria com a sua reeleição. Na época, não usou a estratégia do fazer barulho nas mídias: encomendou a Antônio Palocci que desse um jeito de rifar Meirelles sem as suas digitais. Mas a inflação começou a cair e os juros também. E, quando perguntado nas internas se o tempo de Meirelles já tinha se esgotado, respondeu: “Não me fale mais desse assunto, agora está dando tudo certo”. Essa era a “autonomia” do BC que Lula considerava adequada, sujeita ao vai e vem da circunstância e da sua visão política.
Lula piorou em relação ao passado ou está enxergando algo que ninguém viu, esbravejando diariamente contra a taxa de juros, o BC independente e a meta de inflação. A novidade é considerar o BC um bunker de Jair Bolsonaro porque o comandante da autoridade monetária, Roberto Campos Neto, teria sido indicado pelo ex-presidente. Bobagem. Como demonstra o cientista político Alberto Almeida, Campos Neto poderia não ter elevado a taxa de juros pelo menos seis vezes no período relevante de campanha, mas fez o contrário, aumentando recorrentemente a Selic.
O presidente terá direito a indicar neste ano dois diretores do BC, nas áreas de Fiscalização e Política Monetária – este último talvez o cargo mais importante do colegiado, depois do comandante da instituição. Nem por isso, os técnicos serão espiões do presidente, ou muito menos seus paus mandados. Lula até pode acertar no atacado com a cantilena dos juros altos, mas erra na forma. Todos os seus incômodos na área monetária – juros e meta de inflação – são legítimos e, alguns, até comprováveis empiricamente por acadêmicos. São o caso dos juros, cuja taxa real da Selic, batendo já os 8,5%, e meta de inflação, fixada em 3%, podem, sim, ser chamadas “politicamente” de inaceitáveis ou inviáveis.
A Selic é a mais alta do mundo. A taxa de real de 8,5% é o dobro do segundo maior índice real do planeta. Olhando de fora do BC, o nível dos juros não faz o menor sentido. Quanto à meta de inflação, ela parece ser construída para que o Brasil tenha uma taxa de juros nas alturas permanentemente. Como se sabe, o nível de juros no modelo de inflation target é o principal instrumento para levar o índice de preços permanentemente para dentro da meta: em 2024, o centro está fixado em 3%, com uma banda superior de 4,5%. A meta ambiciosa faz com que os juros sejam pouco flexíveis, na medida em que qualquer choquezinho de oferta ou pressão atípica sobre o fiscal, forçam as taxas a saírem de dentro da casca. Um exemplo: no governo Bolsonaro a meta de inflação nunca foi cumprida.
No caso, curiosamente, Lula estaria alinhado com a discussão atual dos Bancos Centrais europeus, que deliberam sobre a redução do centro da meta para 4% a 4,5%, tendo em vista as previsões de que a inflação estrutural irá aumentar nos próximos anos. Ou seja: o mesmo percentual que o presidente defende para essas bandas.
Mais “indemissível” do que um general
A questão central é que Lula está misturando vários elementos ao mesmo tempo, repetindo esbravejando em praça pública contra seus novos inimigos figadais: Banco Central independente, meta de inflação, taxa de juros, Roberto Campos Neto, etc. Cabe dar ao presidente, um velho atirador de facas, o benefício de ter visto o que ninguém viu. Nesse caso, estaria mesmo precipitando uma eventual decisão de Campos Neto de não renovar seu mandato no BC, no fim de 2024. Lula quer que ele saia antes. De preferência, já! Deseja um experimento, melhor um invento de política monetária para chamar de seu. Um Plano Real do Banco Central. Mas, parece às vezes, que o presidente está carregando demais na estratégia do throwing in the towel.
Com a apresentação do pacote fiscal pelo ministro da Fazenda, os impactos do efeito inercial dos juros já se manifestando nas expectativas do aumento de preços, e o inevitável reequilíbrio das cadeias de produção mais fragilizadas pela pandemia, a Selic vai baixar, com Campos Neto ou Lara Resende. No caso, Lula poderá ficar enroscado no mesmo enredo da gestão Meirelles: demorou para sacar o seu presidente do BC “autônomo” e foi obrigado a mantê-lo porque os resultados prometidos surgiram, conforme relata Maria Cristina Fernandes, colunista política do Valor Econômico.
A mesma jornalista chama a atenção de que arrancar de forma autoritária Campos Neto do cargo que constitucionalmente ocupa pode ser mais difícil do que demitir oficiais de alta patente, a exemplo do que Lula fez com o comandante do Exército, general Júlio Cesar de Arruda. Campos Neto tem a claque do mercado financeiro, passagem entre os congressistas, respaldo na Lei e apoio corporativo.
Lula detesta quem não preste contas. Um bom exemplo do que arrepia o presidente da República é um tecnocrata com a autoridade do professor Octávio Gouvea de Bulhões, presidente da Superintendência de Moeda e Crédito (Sumoc) – o BC dos anos 60 – e titular do Ministério da Fazenda no governo do general Castello Branco. Consta que, durante a fase mais dura do ajuste econômico do primeiro ano do golpe de 1964, Bulhões recebeu uma visita do então maior empreiteiro do país, Sebastião Camargo. O empresário relatou as queixas e mais queixas dos dirigentes do setor privado em relação ao arrocho monetário. Bulhões, que tinha fama de não se alterar jamais, ouviu calado, com sua expressão de monge. Camargo, então, carregou nas tintas. Disse que dezenas de grandes empresas iriam quebrar, a economia iria pifar e os empresários iriam se jogar pela janela, como aconteceu no período do crash da bolsa de Nova York. Ao que Bulhões respondeu, serenamente: “A janela está logo ali”. Lara Resende, caso ungido, jamais teria uma atitude igual sem conversar com seu ministro ou o presidente. O economista tem o jogo de cintura, aprimorado por passagem bem mais agitada pelo governo no que diz respeito à adoção de teorias monetárias fora da caixa.
De qualquer forma, um sinal da disposição mudancista do presidente é quando ele lança mão do discurso do “nós contra eles”. Se Lula escalar, não é improvável que ele misture bolsonarismo, militarismo e “independentismo” do BC. O bordão da hora é “Autonomia, já, independência, nunca mais!” O presidente não quer só o cargo de Campos Neto ou juros mais baixos, mas um inventor na política do Banco Central que possa marcar sua gestão. A medida parece estar encomendada.
Aguardemos o embate político entre os dois candidatos. André Lara Resende expôs suas ideias há menos de 24 horas, no Programa Canal Livre, da Bandeirantes. Teve espaço para dar uma aula e argumentar, com sua teoria monetária alternativa, que é possível atender tudo o que Lula almeja, mudando o arcabouço do pensamento econômico que hoje rege as decisões do BC. Para Lula deve ter sido uma ópera.
Hoje, daqui a aproximadamente seis horas, Roberto Campos Neto dará entrevista no ao programa Roda Viva, da TV Cultura. É como se o curto intervalo de tempo tivesse sido combinado pelas partes. Vai servir de verificação da maior ou menor flexibilidade do presidente do BC. Sabe-se que Campos Neto já acena com uma meta menor – ainda que o seu menor seja residual, isto é, a manutenção da taxa de 3,25% deste ano para o ano que vem, contra os 3% fixados pelo Conselho Monetário Nacional. Pode ser que Campos modere o tom e acene com um tempo político mais razoável para a queda da inflação e dos juros. Pode ser. Mas os sinais vindos do entorno de Lula indicam que a preferência por Lara Resende é firme. Se não for agora, 2024 promete.
Análise
Lula precisa reduzir o spread das suas bravatas
9/02/2023Lula não tem que falar sobre política monetária. Se quer influenciar no assunto, que aja em silêncio, através dos seus ministros do setor, sem tumultuar o mercado. Simplesmente faça. Sem usar a opinião pública para politizar assuntos técnicos. Todas essas considerações já foram pontuadas pelo RR e também por economistas de diversas correntes e matizes ideológicos. Mas Lula não mentiu quando se referiu a um tempo em que industriais se amotinaram contra bancos, cindindo as partes mais dinâmicas da economia à época – hoje o agronegócio assumiu um protagonismo que não tinha. O bunker dos industriais era o Instituto Brasileiro do Mercado de Capitais (Ibmec), à ocasião um instituto de pesquisas vinculado às bolsas de valores do Rio e São Paulo, que aprimorava o argumento dos empresários. Vivia-se os idos do final dos anos 70. Eram tempos curiosos em que as entidades e instituições do mercado de valores mobiliários confrontavam os bancos comerciais. O presidente do Ibmec era o ex-diretor do Brasil no FMI Herculano Borges da Fonseca, antecessor das gestões de Roberto Castello Branco e Paulo Guedes, respectivamente. Apesar da predominância da tecnocracia liberal no comando da entidade, a instituição seguia um modelo ideologicamente plural, a exemplo do Ipea, liderado por João Paulo dos Reis Velloso.
Pois bem, foi nesse período que empresários paulistas encomendaram ao Ibmec uma pesquisa sobre a visão dos industriais em relação ao papel dos bancos na economia. Por trás da demanda estavam ícones da indústria manufatureira e de bens de capital, todos de capital nacional, tais como Paulo Vellinho, José Mindlin, Paulo Francini, Paulo Villares, Cláudio Bardella e Antonio Ermírio de Moraes. Lula não mentiu quando disse que Antônio Ermírio esculachava os bancos em função das taxas de juros elevadas. Aliás, todos os industrialistas de proa esculachavam.
A pesquisa, coordenada pelo cientista político José Luiz de Mello, era caudalosa. E o Ibmec divulgava as conclusões do trabalho aos poucos. A cada rodada – e elas duraram meses – Antônio Ermírio ia aos jornais e deitava falação contra a taxa de juros, acompanhado pelos seus pares da indústria. O embate com os bancos foi enorme. O país vivia o auge da ditadura, e esses empresários brigões enfrentavam diariamente os generais do regime militar. Tudo isso aconteceu há muito tempo.
Lula parece ter estacionado nessas priscas eras, quando a indústria representava mais de 30% do PIB, e Antônio Ermírio era o leão da economia nacional. Na época, o BC era apêndice do Ministério da Fazenda, com um papel coadjuvante como autoridade monetária. A roda girou e o país evoluiu para regulamentação de um BC independente, despolitizando um órgão que tem de ser de Estado e eminentemente técnico. Lula, assim como “Dom” Antônio no passado, estão certos quando se incomodam com o nível das taxas de juros. Afinal, há algo de demasiadamente estranho no ar quando o custo do dinheiro está entre os maiores do mundo durante décadas e décadas. Mas os dois miravam alvos diferentes com o mesmo objetivo.
Lula quer responsabilizar uma das grandes conquistas institucionais do país, a independência do BC, como detentora de uma perversão na área monetária: a disposição de manter a Selic nas alturas mesmo sem necessidade. Antônio Ermírio, quase que obsessivamente, batia firme no spread bancário, sua bête noire. Difícil imaginar Lula arrumando animosidade com a banca. O que diferencia o empresário e o velho político é uma certa dose de oportunismo. O presidente trouxe à baila a memória do antigo leão do Grupo Votorantim para engrossar seu proselitismo contra os juros altos. Mas evitou dizer que seus inimigos eram diferentes. “Dom” Antônio batia nos spreads absurdos do sistema bancário. O presidente quer associar o BC independente a Bolsonaro, não obstante uma coisa não ter nada a ver com outra. A briga de Lula é bravateira e serve tão somente para manter aceso o seu palanque permanente.