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Da Vibra à Margem Equatorial: onde Lula quer acertar ao mirar nos combustíveis

  • 19/02/2025
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O Lula populista voltou com tudo. Junto com ele, o Lula que banaliza problemas e terceiriza responsabilidades. Ambos são historicamente indissociáveis. Mas ressurge também o ardiloso construtor de narrativas, que fala sem dizer e indica sem apontar, já sabendo muito bem aonde pretende chegar.

Nesse sentido, suas declarações contra os “culpados” pelo aumento dos combustíveis e a veemente defesa do retorno da Petrobras à área de distribuição suscitam interpretações ambíguas – e não necessariamente excludentes –, além de servir como um enredo diversionista. Os tradicionais adversários do Brasil – juros altos, remarcação de preços pelos supermercados, reformas que prejudicam o trabalhador – perderam a força ou estão sendo operados diretamente por aliados do governo.

Um bom exemplo do envelhecimento do discurso do presidente: ao que tudo indica, Lula está requentando o antigo plano de recompra da Vibra Energia, ex-BR Distribuidora, pela Petrobras. Ou pelo menos vai instrumentalizá-lo para tirar de cima da própria carapaça os equívocos do governo.  

Na mão do presidente da República, o tema é uma carta coringa, lançada à mesa nas mais diferentes situações.

Lula começou a bater nessa tecla ainda na campanha eleitoral. Seja por meio de falas do próprio presidente (“Venda da BR melhorou em que para a sociedade?”), seja por meio de notícias vazadas na mídia, o assunto voltou à baila em maio e agosto de 2023, março, junho e setembro de 2024. A engenharia para a captura da Vibra é razoavelmente complexa.

A empresa é uma public company. Hoje, seu maior acionista individual, a Dynamo, tem 9,9%. Indiretamente, ou nem tanto, o governo detém 5,24% do capital por meio da Previ. Uma solução, digamos assim, mais barata seria a fundação ampliar essa participação por meio da aquisição de ações de mercado de forma a aumentar seu poder decisório na condução estratégica da companhia.

Agora, se o governo Lula quisesse partir para a reestatização à vera da Vibra, o custo subiria consideravelmente. O estatuto da empresa prevê uma poison pill: qualquer investidor que atingir 25% de participação é obrigado a lançar uma oferta para comprar o restante das ações em circulação e fechar o capital. Além disso, terá de pagar a cotação máxima do papel nos 18 meses anteriores, atualizada pela taxa DI mais um prêmio de 15%.

Em um exercício meramente hipotético, se essa operação fosse feita hoje, os papéis teriam de ser recomprados a R$ 33,84, um ágio de quase 85% sobre a atual cotação do mercado. Ou seja: o valuation da Vibra seria de R$ 38 bilhões – o market cap de momento gira em torno de R$ 20,7 bilhões. Para a Petrobras não chega a ser exatamente uma despesa inviável, não obstante, por outro lado, reduzir os dividendos pagos ao governo – o custo político é outra história.

A ideia de reestatização da Vibra é uma conexão automática quando se ouve Lula cobrando o retorno da Petrobras à distribuição de derivados de petróleo. No entanto, no atual cenário, sua diatribe contra o preço dos combustíveis pode ter não apenas segundas, mas também terceiras intenções. Nesse caso, o caminho apontaria para a Margem Equatorial.

Ao vitimizar a estatal (“Muitas vezes a Petrobras não tem culpa nenhuma no aumento dos preços) e falar diretamente à sociedade (“O povo precisa saber a quem xingar”), o presidente parece estar lançando uma nova arquitetura retórica para justificar a exploração de petróleo na Foz do Amazonas. É uma operação intrincada. Se, por um lado, cria um discurso de justificativa da inflação de alimentos, um dos maiores inimigos da sua popularidade, por outro, ele terá de dançar um tango trágico perante o mundo, na medida em que a COP 30 será realizada no Brasil.

Não existe palco pior para um presidente que tem marcado seu posicionamento internacional pela descarbonização, defender a medida à la Trump, mandando o acordo climático as favas. Se bem que Lula tem algumas saídas para a circunstância. Pode dizer que a pesquisa é uma questão de soberania nacional; que, a exemplo de países do mundo que se sentam em suas reservas ou em grande parte delas, não explorará a Margem Equatorial imediatamente; no limite, pode até falar que vai trocar barris de petróleo em operações Barter por alimentos mais baratos. Lula é Lula, como se sabe. E a coerência é um predicado que não está entre os seus atributos.

Pode ser mera intuição – e isso Lula sempre teve de sobra; para não irmos muito longe, pode ser apenas uma recomendação do chefe da Secom, Sidônio Palmeira. O fato é que bater nos preços da gasolina, diesel, gás etc serve ao discurso de que é fundamental para a Petrobras avançar sobre a valiosa fronteira petrolífera e aumentar a oferta de combustível no Brasil.

Trata-se de um raciocínio que torna a Margem Equatorial benéfica para a população. É como se Lula estivesse levando o assunto para o bolso do brasileiro. Sim, é populismo na veia. O presidente da República não tem muita possibilidade de manobra.

Com o Banco Central independente e, principalmente, a nomeação de Gabriel Galípolo, da sua cota pessoal, para a presidência da autoridade monetária – assim como indicação de quase toda a diretoria da instituição -, o espaço para interferir na taxa de juros se afunila; fica da espessura de um cateter. Os juros vão chegar aos 15% e é possível que Lula não dê um pio sobre as taxas escorchantes. 

Baixar o preço dos alimentos na marra também é difícil. Sobra bater nos combustíveis e instrumentalizar o tema para o que interessa: seja a reestatização da Vibra, seja a perfuração da Margem Equatorial, seja, melhor ainda do ponto de vista de Lula, os dois. Se for o caso, depois ele desmente tudo o que disse.

#Lula #Margem Equatorial #Vibra Energia

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