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Análise
Quem acha uma esquisitice as ideias do economista Inácio Rangel, do ex-ministro Dilson Funaro, dos professores Maria da Conceição Tavares e João Manuel Cardoso de Mello e, agora, de André Lara Resende, um dos pais do Plano Real, ficaria apoplético com o pensamento de um grupo prestigiado de assessores que circula em torno da ministra da Gestão e Inovação em Serviços Públicos, Esther Dweck, Antes de cantar a pedra, é preciso situar quem é a moça. Dweck, doutora pela Universidade de Pisa, na Itália, escreveu um livro com críticas ao impacto social da austeridade. Portanto, não é apenas uma tecnoburocrata que saiu da cota do PT, mas uma economista militante desde os tempos de faculdade, na UFRJ. A partir daí somente ascendeu no alto comissariado da ala feminina do PT. Durante o governo de Dilma Rousseff, ocupou cargos no alto escalão da área econômica. Foi chefe da assessoria econômica do Ministério do Planejamento entre julho de 2011 e dezembro de 2014. Entre de 2015 e 2016 e ocupou a Secretaria de Orçamento Federal. Participou do grupo de planejamento, orçamento e gestão para o terceiro governo Lula. Em 2022, foi nomeada ministra na cota do PT. Nunca deixou o comissariado do partido. É quadro permanente do matriarcado que gravita em torno de Lula, integrado entre outras por Gleisi Hoffmann, Dilma Rousseff, mais recentemente pela economista Laura Carvalho e, acima de todas, Janja. É também muitíssimo ligada ao economista Luiz Gonzaga Belluzzo, assessor informal e influente de Lula, e ao secretário executivo do Ministério da Fazenda, Guilherme Mello, o segundo abaixo de Fernando Haddad.
Mas por que um nariz de cera tão extenso? Porque a ministra adora uma heterodoxia, tentação que comunga com Lula. E a corrente de assessores que gravita em torno dela é influente no partido. Um grupo de “economistas da Dweck” discorda inteiramente da política de Fernando Haddad, que praticaria o fabulário do menino que tapava o buraco de um muro que esguichava água com um dedo enquanto outro buraco vazava. Primeiramente, esse cluster de assessores enxerga que, se for para pensar no curto prazo e seguindo os cânones da ortodoxia, somente um choque de credibilidade junto ao mercado, com um corte extenso e radical de gastos de públicos, acalmaria o “Deus Mercado”. Essa hipótese é descartada pelo mesmo grupo porque fere a crença dos “economistas da Dweck”, de que ajuste fiscal, fora de tempos de guerra, não é para fazer “para ontem”. Além do que é do agrado do mercado papagaiar, mas é politicamente inviável. Esses economistas consideram que somente uma bala de prata resolveria a situação de disfuncionalidade do Brasil e a saída do corner de mediocridade do crescimento do país. Na verdade, uma bala de prata com vários estilhaços: a separação das medidas conjunturais, de curto prazo, das estruturais, de longo prazo; o compromisso com o corte de despesas diferido no tempo; a redução da relação dívida bruta/PIB como meta constitucional a ser cumprida em um prazo estendido (em um período de 15 anos, por exemplo); a perseguição inclemente de uma inflação baixa – mas não tão baixa quanto a da meta permanente, praticamente impossível de ser cumprida no tempo estipulado com o atual arcabouço, e talvez com qualquer outra fórmula de teto; o compromisso com as reformas profundas no mesmo prazo da redução dívida/PIB – ambos estão imbricados; o compromisso permanente com o crescimento da economia e o resgate do planejamento do desenvolvimento.
Para que um modelo com tantas arestas funcionasse, seria necessário um improvável pacto entre Poderes da República, que tornaria o conjunto de medidas inquebrantável, dissociadas das mudanças de governo. Assim como um arcabouço independente, algo muito acima das desmoralizadas Lei da Responsabilidade Fiscal, Regra de Ouro, teto dos gastos e outros tais compromissos que só serviram para que as autoridades fossem pedir desculpas ao Congresso pelo seu não cumprimento. Isso lá quando houve desculpas. A “Carta Magna da nova política”, antes de tudo, perseguiria a redução dívida bruta/PIB como tendência principal a ser conquistada, ou seja, a variável estabilizadora dos fundamentos macroeconômicos, além do crescimento do próprio PIB, ambos irmãos xifópagos. Se fosse possível, seria mais uma cláusula pétrea a ser inclusa na Constituição. A pergunta que não quer calar é: por que esse grupo de economistas se fixou na relação dívida bruta/PIB como astro rei da galáxia?
Na realidade, não existe um “ótimo” da relação dívida/bruta PIB. Também inexiste evidência científica de qual é o indicador ideal dessa relação, levando em consideração as peculiaridades de cada Nação. O que normalmente se usa são médias entre países. Só que essa comparação não leva em juízo critérios de tamanho e especificidades da economia de cada país em blocos diferentes (Brics, países desenvolvidos, 20 maiores economias do mundo, países da América Latina etc). Ignora-se que um apito e um apontador são coisas diferentes. Se for para fazer galhofa, o ideal dessa relação entre os dois indicadores seria zero. Mas o que interessa é combinar as boas práticas do que pensam os árbitros da economia mundial sobre a importância dívida brut/PIB. Quem são eles? As instituições financeiras, que detêm o dinheiro do mundo; o Estado norte-americano; agências multilaterais em franco processo de decadência (o FMI é chamado por economistas dos bancos internacionais de “instituição embriagada”); uma parcela hegemônica da academia; e agências de rating submissas a lobbies, como seu termômetro da boa ou má política econômica. É esse establishment que determina a “medida da solvência do país”. Noves fora questionamentos sobre variáveis mais ou menos importantes, a combinação dívida bruta/PIB é o centro do mundo produtivo, financeiro e social. Essa combinação é mais importante até do que o tamanho do PIB – o Brasil é o 8° maior do mundo, e daí? Não é somente esse vetor que traz investimentos.
O economista José Serra insistia em dizer que política fiscal é mirar na dívida bruta/PIB, o resto são secos e molhados. O saudoso ex-ministro Raphael de Almeida Magalhães defendia um “development target”, que se viabilizaria com a porta da redução dívida bruta/PIB no mínimo “entreaberta”. Num curto momento, sabe-se lá por que a importância desse indicador perdeu status. As ideias dos “Dweck’s boys” são louváveis, mas sem um compromisso (para lá de improvável) de Estado, morrem na praia. Para início de conversas, nunca tivemos um bom comportamento quando se trata do passivo bruto e sua relação com o PIB. Em um período que vai de 2006 até 2023, o governo somente esteve em situação mais confortável do que 19 dos 193 países reconhecidos pela ONU. A luz do pensamento dos analistas, a dívida/PIB segue em uma trajetória de risco. Na verdade, nunca foi muito diferente, à exceção de alguns anos do governo militar, até o fim do milagre econômico, A média do período 2006/2023 foi de 68,14%; a atual relação está em 76%; o governo prevê que ela estará em 81% em 2025; a pesquisa Prisma da Fazenda, projeta que ela se avizinhe de 100% em 2033. Em outubro de 2020, bateu 90%. É um stop and go de manicômio. Dependendo de onde se olhe, segundo os dados da Trading Economics, o Brasil está muito mal acompanhado nesse ranking, superando a relação negativa da dívida bruta/PIB apenas do Butão, Sudão, Suriname, Serra Leoa, República do Congo, Líbia, Eritreia, El Salvador, Jordânia, Lituânia, Gana, Bolívia, Venezuela, Argentina, Paquistão e Zimbábue. Por outro ângulo, estamos melhores do que os Estados Unidos, Japão, Índia, Reino Unido, Canadá, o que seria uma boa companhia.
O que fazer? Inverter a curva de crescimento do passivo interno/PIB. Provêm aí as condições de redução dos juros, queda do déficit nominal, desvalorização do dólar, aumento do PIB, redução da inflação, correção da esquizofrenia do Estado, corte de gastos inflados, melhoria do ambiente de negócios, melhores condições políticas para as reformas e outros benefícios. Claro que, no meio do caminho, pode haver loucuras de Donald Trump, sobretaxas, uma guinada do crescimento chinês, novas guerras etc. Mas, assim como um terremoto, são vetores exógenos. Cabe ao governo fazer o dever de casa e mudar a percepção de derrota contínua. Os “meninos de Dweck” assinam essa receita. Mas, ressalte-se, não é mais um plano espasmódico de solução dos problemas fiscais ou econômicos, em geral para ser implementado em um ano, dois, três ou quatro anos, que vai tirar o Brasil da estagnação ou regressão anunciada. Primeiro porque isso é uma captura permanente do Estado através de uma distopia econômica. É simplesmente impossível conseguir superávits primários contínuos de 2,5% a 3% que reduzam a relação dívida bruta/PIB, permitindo a redução expressiva dos juros reais, taxas de câmbio favoráveis, inflação no intervalo alto da meta contínua, crescimento sustentável do PIB, e bons indicadores sociais, no prazo que o mercado impõe e o governo, por falta de força, aceita impotente. E com os governos desmontando tudo a cada que se alternam não há solução possível para cumprir a exigência no timing que virou protocolo. É preciso desconstruir a chantagem de que o Brasil vive à beira da insolvência. Para conseguir um superavit primário em 2022, que, segundo o atual modelo, seria força motriz da redução do passivo/PIB foram necessários oito anos seguidos de déficit fiscal, que voltou logo em 2023. Atualmente, ainda é pior, porque há um nítido desequilíbrio entre Poderes que está minando a energia do país. Quem vai fazer, levar e bancar as diretrizes de reconstrução nacional aos Poderes constituídos? Quem galvaniza a sociedade em torno desse compromisso? O atual presidente da República? No coments. O satélite de economistas que gravita em torno de Esther Dweck tem até boas ideias. Mas hoje elas são impossíveis.
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