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É possível transição energética no Brasil sem a Petrobras?

  • 12/08/2024
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Qual será o rosto da Petrobras do amanhã: uma face virada para o passado, com o olhar fixo exclusivamente na exploração e produção de combustíveis fósseis, ou uma face voltada para o porvir, mirando a construção da grande empresa de energia lato sensu do Brasil? É o “Dilema de Janus” da estatal, uma complexa discussão que vem sendo travada no governo e no alto-comando da companhia e ainda longe de um consenso. No próprio Palácio do Planalto, há visões dissonantes em relação ao tema.

Mesmo porque qualquer movimento mais agudo da Petrobras gera forte impacto regulatório, competitivo, regional e, last but not least, político. O fato é que não há nenhuma outra empresa mais capacitada para liderar o processo de transição energética da matriz brasileira. A estatal tem fôlego financeiro, um corpo técnico altamente qualificado, presença em grande parte do território nacional e peso institucional, além de estar localizada em um país pródigo em sol, vento e água.

Falta, essencialmente, vontade política para a guinada. Com o reposicionamento estratégico da Petrobras, o Brasil passaria a ter uma grande indutora de investimentos em geração solar, eólica – inclusive offshore, vocação natural para uma empresa com mais de cem plataformas marítimas – e hidrogênio verde. Mais do que isso: a estatal funcionaria como uma espécie de “semi-reguladora” desse mercado. Na posição de maior player, a Petrobras teria condições de arbitrar o setor de energia renovável, guardadas as devidas proporções a exemplo do que historicamente sempre fez no óleo e gás.

No governo, uma das principais vozes a favor desse redirecionamento da Petrobras é o próprio Alexandre Silveira. O ministro de Minas e Energia defende que a estatal deve, a um só tempo, diversificar suas áreas de atuação e investir pesadamente em geração renovável – basta lembrar da sua queda de braço com o então presidente da empresa, Jean Paul Prates, que não fez nem uma coisa, nem outra. Uma das ideias já aventadas na Pasta de Minas e Energia seria a criação de uma companhia à parte, controlada pela Petrobras, que concentraria todas as suas operações em energia limpa.

Essa “Renovabras” poderia buscar recursos no mercado individualmente e emitir ações, sem impacto sobre a estrutura de capital da holding. Isso não quer dizer que a Petrobras tiraria o pé de exploração e produção. Pelo contrário. É o que a estatal sempre fez, faz e fará de melhor ainda por muito tempo. Até porque, goste-se ou não, é o próprio petróleo que financiará a transição energética da companhia. Hoje, a taxa de retorno médio real dos investimentos da empresa em exploração e produção é de 23%; nas fontes de baixo carbono, não passa de 8%.

O entendimento na Pasta de Minas e Energia é que a Petrobras do presente precisa começar a construir, desde já, a Petrobras do futuro. É inexorável que a estatal reduza o grande gap entre o seu portfólio de fontes fósseis e de energia limpa, um abismo que fica patente no próprio programa de investimentos da companhia. Em seu Plano Estratégico 2024-2028, a Petrobras prevê desembolsar US$ 11,5 bilhões em descarbonização das operações, biorrefino e energias eólica e solar. Ou seja: o equivalente a 11% do seu Capex. Para o mesmo período, os recursos destinados à exploração e produção somam US$ 73 bilhões, algo em torno de 71% do Capex.

Ressalte-se que, pouco a pouco, as grandes petroleiras internacionais têm ampliado o volume de recursos em projetos de baixo carbono. A média global ainda é relativamente pequena. No ano passado, segundo a Agência Internacional de Energia, as empresas de petróleo e gás destinaram cerca de US$ 30 bilhões à geração renovável, algo como 4% do seus investimentos totais. É pouco?

É. Mas cabe lembrar que, em 2019, esse índice sequer chegava a 1%. O CEO da Saudi Aramco, Amin Nasser, já disse publicamente que “a transição energética está fracassando” e “os formuladores de políticas deveriam abandonar a fantasia de eliminar petróleo e gás”. Ainda assim, a empresa destina 10% do seu plano de investimentos para fontes de baixo carbono – uma proporção ainda pequena, mas bem superior à média global, por exemplo. O governo da Arábia Saudita determinou, inclusive, que a companhia reduzisse sua produção de petróleo de 12 milhões para nove milhões de barris por dia para se adequar a acordos feitos pelos membros da Opep+. Outro exemplo é a BP, que está bem mais à frente: entre 2019 e o ano passado, a fatia de seus investimentos reservada para projetos de energia renovável saiu de 3% para 30%.

Essa é uma discussão que não fica restrita às muralhas do governo e à cúpula da Petrobras. Ela passa também por quem tem poder corporativo, ou seja, os funcionários da empresa e consequentemente suas entidades representativas. A Federação Única dos Petroleiros (FUP), por exemplo, toca de ouvido com o ministro Alexandre Silveira. Em conversa com o RR, a FUP deixou claro que considera a Petrobras a companhia mais apta para ser o grande player em transição energética no Brasil.

Para a Federação, a empresa “tem ampla expertise e know how no setor de óleo e gás e, agora, deve caminhar cada vez mais no sentido de se tornar uma empresa integrada de energia e servir como importante instrumento para viabilizar investimentos, pesquisa e inovação visando novas rotas tecnológicas que possam colocar o Brasil em uma melhor posição na nova divisão internacional do trabalho que se forma a partir das transições tecnológica e energética.” A FUP reforça que “a tendência das majors de petróleo e gás é tornarem-se grandes empresas de energia. Na realidade brasileira, com o nosso potencial para energias limpas e novas rotas tecnológicas, nos parece que, quanto maior e mais integrada for a Petrobras, e mais envolvida com o segmento de renováveis, maior será sua capacidade de captação no mercado financeiro.”

A Federação dos Petroleiros concorda com a premissa de que os investimentos em energia limpa e em combustíveis fósseis não são excludentes. A FUP lembra que “tem se manifestado em diversas oportunidades, como em audiências públicas, que parte da renda petroleira deve ser destinada a investimentos em transição energética. Ou seja, é preciso contar com os recursos oriundos da produção de óleo e gás no presente para não mais depender dessa renda no futuro.” A entidade, inclusive, faz coro ao ministro Alexandre Silveira, que propôs a criação de um fundo para a transição energética a partir dos recursos do petróleo.

Dentro da imensidão corporativa da Petrobras, com seus mais de 45 mil funcionários, inúmeros níveis hierárquicos e diferenças ideológicas, tudo temperado por uma compreensível defesa do próprio quadrado, há visões distintas sobre o futuro e o papel da companhia.  O RR conversou também com colaboradores da estatal na tentativa de aferir o estado de animus da “tropa” em relação ao tema.

Não é difícil verificar o quanto a “limpeza” da matriz energética da empresa provoca divisões intramuros. Os trabalhadores em exploração, produção, refino e logística defendem que a companhia continue sendo “apenas” o que sempre foi: uma petroleira. Algo na linha do “não me venham com novidades…”. O argumento é que o diferencial da empresa está na sua tecnologia, expertise e capital humano voltadas para exploração, produção e refino. Basicamente o que ela já provou ser capaz de fazer. Com maestria, diga-se de passagem. O “chão de fábrica” não quer saber nem de vento ou de sol; o futuro da Petrobras está na Margem Equatorial, a única fronteira petrolífera do país capaz de compensar o declínio da produção no pré-sal.

Na mão contrária, um grupo de funcionários de níveis hierárquicos mais altos entende que a Petrobras deve se tornar, sim, uma grande empresa de energia integrada, com um pé em geração limpa e outro em E&P.  Estão nesse recorte colaboradores que atuam em pesquisa, projetos e a área corporativa, possuem um olhar mais panorâmico sobre a estatal e são menos focados na operação em si.

Ainda que reconheçam que, a curto e médio prazos, o maior retorno financeiro da estatal virá dos ‘velhos negócios” em E&P e refino. Em algumas áreas da Petrobras, há uma crença na diversificação de riscos como solução para o futuro incerto dos combustíveis fósseis, com a entrada em negócios como biocombustíveis, eólicas e usinas solar. Há quem defenda, inclusive, que os colaboradores poderiam ser distribuídos em células variadas de projetos. Seria uma forma de transformar a Petrobras em uma “incubadora de energia”, com o desenvolvimento de empresas e startups. As “energytechs” promissoras poderiam tornar-se subsidiárias ou coligadas da holding. Esse modelo permitiria a entrada de investidores privados e futuramente até a abertura de capital das sociedades em mercado.

Existe ainda um terceiro agrupamento, que já foi o mais forte na Petrobras e agora vem recuperando seu poder de influência com a presença de Lula no governo. São colaboradores que acreditam no modelo de empresa “do poço ao posto”, com uma maior diversificação dos negócios. De forma sintetizada, defendem a visão dos sindicatos, muito focada na soberania nacional.

A compreensão é que a companhia deve ser um braço do governo para acelerar investimentos, controlar preços, gerar emprego e produzir e distribuir renda. Ou seja, a empresa deveria verticalizar suas operações, inclusive com a reestatização da BR Distribuidora, atual Vibra, e dos gasodutos e refinarias vendidos na gestão Bolsonaro. Esses funcionários defendem que a companhia tem de entrar em setores afins a suas atividades e necessários para o desenvolvimento do país, como energia renovável e fertilizantes. Em linhas gerais, é uma fração da companhia que deseja uma “estatização” ainda maior da Petrobras.

#BR Distribuidora #Ministério de Minas e Energia #Petrobras

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