Só o apoio das ruas afasta o fantasma da renúncia

  • 3/02/2015
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Nem Joaquim Levy é tão irredutível, nem Dilma Rousseff é tão vira-casaca. Por mais que pareça inverossímil, a presidenta e o ministro da Fazenda têm um acordo de sintonia fina entre a política de ajuste e os indicadores sociais. Os dois terão de ceder um pouquinho. Segundo um dos ministros mais prestigiados, a conversa entre Dilma e Levy sempre foi balizada pelo fato de a faxina nas contas públicas levar em consideração a responsabilidade social. Algo parecido com o que faz o Banco Central norte-americano, só que aplicado a  política fiscal. O social não terá motivos para festejar em 2015 e, provavelmente, em 2016, mas não será o arrasa- quarteirão que está sendo projetado. Para isso, o governo conta com a resiliência da taxa de desemprego. Nesse cenário, o índice de 4,3% apurado em dezembro teve enorme valor simbólico. Não apenas por ter representado o menor patamar de toda a série histórica, mas, sobretudo, por corroborar que os níveis de retenção do trabalho vêm resistindo a  economia cadente. Por mais paradoxal que isso possa parecer, a retração da atividade econômica não tem contaminado a taxa de desemprego. Esse fenômeno se explica, em grande parte, pelo fato de que os números trazem embutido um nível elevado de empreendedorismo – leia-se pessoas que deixaram seus postos de trabalho para abrir seu próprio negócio, notadamente na área de serviços, que cresce expressivamente acima da atividade industrial. Há quem considere que o salário mínimo foi mais importante em termos de distribuição de renda do que até mesmo as políticas de transferência do governo. Visto sob esse prisma, a notícia nada alvissareira é que o futuro reajuste do mínimo vai refletir dois anos de PIB declinante – 2013 e 2014 -, o que deverá se repetir também em 2016. De qualquer forma, mesmo que diminuto, o salário terá o crescimento real. No entanto, há males que vêm para o bem. Neste momento em que a economia se arrasta, uma política mais contida de reajuste pode ter um efeito colateral positivo, tornando-se fator de manutenção do nível de emprego. A olho nu, pode parecer que a preocupação com o social seja mais um blefe de Dilma Rousseff. Esta pauta está mesmo longe de figurar entre as premissas absolutas que conduzem Joaquim Levy. Ele, no entanto, tem a noção radical do quanto o êxito da sua missão está diretamente vinculado a  capacidade de manter a fama de mau. Muito do discurso de que fará o ajuste econômico a qualquer preço é guiado pela necessidade de reverter as expectativas. Levy sabe o que está falando e, sobretudo, para quem está falando. Mas tanto ele quanto Alexandre Tombini aumentam alguns tons na promessa para entregar o que é possível. No Planalto, no entanto, a conversa é outra. É bem verdade que o RR lava suas mãos, pois Dilma não cumpre o que fala. O que a presidenta da República diz, notadamente em relação a  economia, sequer se escreve. Afinal, não dá para entregar maus-tratos fiscais com carinho social. Acuada por todos os lados, Dilma só conta com os saldos positivos das suas políticas compensatórias. Ela sabe melhor do que ninguém que o controle do segundo mandato dependerá cada vez mais de sua popularidade. Na atual circunstância, se o torniquete apertar em demasia, Dilma acabará perdendo não apenas a voz rouca das ruas, mas também a voz roufenha do PT. Nesse caso, então, a renúncia não seria uma hipótese descartável.

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