Um debate celestial sobre o crédito subsidiado

  • 12/07/2017
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A discussão sobre os juros subsidiados do BNDES tem um milhão de anos, como diria Nelson Rodrigues, e está vinculada a escolhas em relação ao país que se deseja e o timing da realização desse ideal. O RR confessa seu despreparo para intervir nesse assunto sem algum apoio externo. Com a devida licença a Elio Gaspari, useiro e vezeiro do expediente, foi buscar em Roberto Campos e Hedyl Rodrigues Valle um amparo celestial para ingressar no debate, requentado pela batalha em torno da TJLP. Só para contextualizar, o RR nasceu nesse berço de disputa de ideias – lá se vão 57 anos. Hedyl foi o criador do RR e presidente da Associação de Funcionários do BNDES, por essa época. Campos fundou o banco, ocupou sua presidência e sempre foi odiado pelos funcionários. Ambos afinaram suas ideias nesse período de convivência no éter. É só conferir no breve diálogo.

HRV: O subsídio é uma das formas de antecipar a concretização de prioridades. É uma alavanca que o Estado usa quando o mercado não se mostra afeito a realizar alguma tarefa essencial ao progresso. Acredito que foi por isso que você fundou o BNDES.

RC: Como diria o arguto Mao Tse Tung, “não interessa a cor do gato se o inimigo é o rato”. O BNDES naturalmente teria de ser reorientado na medida em que as demandas vão mudando. Recentemente, o banco teve um papel muito importante na desestatização, o que eu acho que deveria ser mantido como uma das suas prioridades. É claro que são condenáveis as reservas de mercado. Os subsídios são um soro ofídico intervencionista para curar o envenenamento provocado pela abstinência da iniciativa privada. O Estado somente atrapalha, mas infelizmente é necessário. Eu privatizaria até a Casa da Moeda.

HRV: Mas você manteria os subsídios às empresas? Eu recordo que, mesmo quando fez sua inflexão radical pela liberalização, desregulamentação e privatização, você não descartava o BNDE como agência de fomento.

RC: Acredito que o importante é maximizar a velocidade do crescimento da renda, da criação de empregos e da absorção de tecnologia. O resto é sentimentalismo. Graças ao recrutamento por concurso público o BNDE manteve uma saudável tradição meritocrática, com nível técnico bastante satisfatório. Naturalmente não escapou ao vício do burocratismo com a irrupção do nacional-estatismo. Melhor com o banco ou sem ele? Eu diria com ele. Melhor com algum subsídio ou sem subsídio nenhum? Ora, subsídios nunca são bons. Mas as imperfeições são inevitáveis. No final tudo se resume a uma assertiva: no socialismo as intenções são melhores do que os resultados e no capitalismo os resultados são melhores do que as intenções.

HRV: A nova bête noire dos subsídios é a corrupção. A Lava Jato deu uma dimensão hollywoodiana à corrupção. A distorção no debate é tratar o subsídio como uma jabuticaba. Ora, os Estados Unidos subsidiam sua indústria militar com recursos do Tesouro, que constam do orçamento do Pentágono. Com relação à corrupção, a receita é dura lex sed lex.

RC: Eu acreditava muito nos mecanismos governamentais, mas eles têm células cancerígenas que crescem incontrolavelmente. Há algo de doentio na máquina estatal. A experiência de jovem me deixou cético em relação às reais possibilidades do Estado. Mas acho razoável pensar em administrar as desigualdades, buscando igualar as oportunidades sem impor resultados.

HRV: A discussão do subsídio foi redirecionada quase que exclusivamente para o seu aspecto distributivista, que está na essência da crítica dos empréstimos aos “cavalos vencedores”. O problema é que há empreitadas que não podem ser tocadas pelas pequena e médias empresas. São obras e projetos essenciais ao desenvolvimento que não estão no radar do mercado. Em linhas gerais, você acha que é possível resgatar o crescimento da indústria sem algum estímulo do Estado?

RC: Se me perguntassem sobre o nível do debate econômico do país eu diria que é uma razoável aproximação do Q.I da ameba. O BNDE não deve ser um instrumento de política monetária nem um mecanismo de redistribuição de renda. Acho que o banco é apenas um estágio na evolução dialética. Como diria Santo Agostinho, “Deus, fazei-me casto, mas não agora”.

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