Economia

Recessão econômica bate à porta do governo Lula

  • 28/02/2023
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Persistência dos juros altos; resiliência da inflação; dúvidas em relação ao compromisso fiscal do governo; queda na geração de emprego; prolongamento da guerra entre Rússia e Ucrânia; volatilidade – com viés de baixa – no preço das commodities; retração do investimento e forte desaceleração do mercado de crédito devido à inadimplência do consumidor em geral; e o impacto da fraude ocorrida nas Lojas Americanas. Estas são somente algumas das dificuldades que podem levar o país a uma estagflação ou mesmo a uma recessão em 2023. O RR conversou com dois analistas do mercado que apresentaram, em off the records, projeções para o crescimento da economia neste ano diferentes daquelas vocalizadas por ambos na mídia e enviadas, segundo eles, ao Boletim Focus. Não seria de se estranhar se essas contradições fossem práticas comuns no mercado.  

O Focus vem aumentando recorrentemente as previsões para o PIB de 2023, sem que se encontre motivações maiores para o crescimento do Produto Interno – a última projeção, feita ontem, é de um PIB de 0,84% contra 0,80% na semana passada. Aliás, pelo contrário: as respostas da economia global e os índices de confiança de consumidores e empresas já sinalizam na direção inversa. Há ainda a probabilidade de que o efeito contracionista dos juros não se tenha dado de forma mais intensa, na medida em que existe a dúvida sobre o prazo da sua “inercia natural”. Pode aparecer pela frente uma fatura mais alta para a atividade produtiva pagar a conta. Para somar no pacote de problemas, agregue-se o consenso de que a performance do comércio, principal empregador do país, será bem mais baixa em relação ao ano anterior. 

Os cenários para os principais indicadores macroeconômicos, mantidos nas internas dos departamentos de research das instituições financeiras, conduzem a uma direção contrária ao que aponta o Boletim do BC. A “mediana” das estimativas mais conservadoras dos analistas ouvidos pelo RR, com 30% de probabilidade de ocorrência, é de um PIB de 0% com viés de baixa. Uma recessão, portanto, estaria batendo na porta do país no primeiro ano do governo Lula, sem que medidas mais firmes para correção dos desajustes da economia sequer tenham sido cogitadas. A reforma tributária é uma exceção, mas não se sabe se ela terá impacto de aumento arrecadatório, portanto restritivo para a atividade produtiva, ou será neutra, ou ainda expansionista.  

A FGV, por exemplo, analisa o cenário econômico sem dourar a pílula. O último Boletim Macro da instituição prevê um crescimento marginal do PIB de 0,2% neste ano, beirando, portanto, a estagflação. A colunista Claudia Safatle, do Valor Econômico, chama a atenção para a dificuldade que o BC pode ter para reduzir a taxa de juros neste ano, a confusa discussão sobre a independência da autoridade monetária e o “risco André Lara Resende” – desdém em relação à dívida bruta/PIB e ao resultado primário -, todos fatores que dificultam visualizar um cenário mais favorável para o PIB neste ano. É difícil também antecipar como serão conduzidas as medidas de política econômica cercadas de assimetrias por todos os lados. Um exemplo: a redução dos juros. O Focus, que vê sempre um cenário mais amigável, projeta uma Selic de 12,75%, em dezembro de 2023 – difícil que dê algo abaixo dos atuais 13,75%, dizem os analistas ouvidos pelo RR. Mas digamos que, devido a pressões políticas e à própria asfixia provocada pelos juros nas alturas, o BC empurre a taxa para 12% ou mesmo 11%, no final do ano. É possível que nem Lula acredite nessa Selic tão baixa, em dezembro. 

E se o BC desse esse cavalo de pau na taxa básica, reduzindo-a para percentuais mais baixos do que os citados acima, como é que ficaria o câmbio, uma das variáveis mais importantes para a formação da maioria os preços? A redução dos juros, com os quais o BC teria viciado o mercado, expulsaria o carry trade? É esse ingresso do capital externo “moteleiro”, conforme a alcunha do ex-ministro Delfim Netto, que hoje estaria segurando o dólar para que ele não escale os R$ 5,50 ou mesmo R$ 6 (hoje a cotação do dia foi de R$ 5,20). O câmbio, devido a sua correia de transmissão sobre os preços, puxaria a inflação para cima. Aliás, somente o efeito da reoneração dos preços dos combustíveis, confirmada ontem pelo governo, injetará uma dose de pressão na carestia.  

Pela ótica da atual diretoria do BC, que já incorreu em enormes idas e vindas, tais como baixar a Selic até dois pontos percentuais e depois realizar aumentos sucessos da taxa até os atuais 13,75%, os juros teriam de voltar a subir, mesmo que fosse um pouquinho. Isso se o “livro texto” fosse aquele seguido pela autoridade monetária até o momento. Essa gangorra dos juros não desce pela goela do setor produtivo, do governo e da área política em geral. Ela se soma às outras variáveis macroeconômicas em processo de erosão. O mais provável é um cenário pior do que aquele que se apresenta no Focus de ontem, para o PIB, os juros e a inflação. 

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