A falta que faz o marco regulatório do saneamento

  • 28/11/2016
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A privatização das companhias de saneamento como contrapartida à renegociação das dívidas dos estados com a União é uma boa intenção que corre o risco de ficar apenas no papel. A inexistência de um marco regulatório para o setor e a consequente insegurança jurídica que cerca as concessões ameaçam inviabilizar a operação. Essa água barrenta começa pela própria titularidade do serviço de saneamento. As empresas sob o balcão são de controle estadual, mas, à luz da lei, a propriedade é mais embaixo. É ponto pacífico no direito brasileiro que a concessão do abastecimento de água e tratamento de esgoto pertence ao município. Na prática, boa parte das cidades brasileiras está amarrada às empresas estaduais de saneamento por contratos com prazo de vigência superior a 30 anos. Mera filigrana. No entendimento de juristas, são acordos extremamente frágeis, passíveis de serem rompidos a qualquer momento.

 Os potenciais candidatos à compra das distribuidoras estaduais temem dar um mergulho no escuro. Não há qualquer garantia de manutenção das concessões arrematadas no longo prazo. Uma parte expressiva do negócio pode desidratar de uma hora para outra, seja por ações judiciais movidas por prefeituras dispostas a romper o contrato e retomar a operação, seja simplesmente pela caducidade automática dos acordos. Tomemos como exemplo a Sabesp. Ao longo dos últimos meses, a empresa está penando para renovar 53 concessões municipais que venceram no ano passado. A números de 2015, esse contingente representa um faturamento de R$ 1,589 bilhão, ou 12,94% da receita total da companhia. Corresponde ainda a 21% dos ativos intangíveis da Sabesp. Essa ameaça é uma dízima periódica. Até 2030, outros 36 contratos expirarão, um grupo de municípios que responde por quase 8% do faturamento e 7,4% dos ativos da estatal.

 Outro fator de imprevisibilidade é a falta de regras claras para o reajuste das tarifas de saneamento, o que impede projeções minimamente confiáveis sobre a remuneração do capital aplicado. Os investidores privados receiam ainda herdar amarras que hoje limitam a formação de preços e restringem a rentabilidade das concessionárias estaduais. Mais uma vez, a Sabesp serve de exemplo. A tarifa média nos municípios sob sua concessão é de R$ 40 – diga-se de passagem, um tíquete bem inferior ao que os grupos estrangeiros estão acostumados. Há, no entanto, um universo de aproximadamente 300 mil famílias que pagam cerca de R$ 15 por mês por conta de subsídios cruzados para a população de baixa renda. Com a privatização, caberá ao novo acionista manter o “Bolsa Água”?

 A rigor, o setor é regido pela Lei 11.445/2007, um arcabouço legal anacrônico que está para as empresas de tratamento de água e esgoto como a Lei Geral de Telecomunicações para as operadoras de telefonia. Ambas cheiram a naftalina. Outra peça de antiquário é o próprio modelo das concessionárias estaduais, criadas no âmbito do Plano Nacional de Saneamento (Planasa), da década de 70. Para completar, o Brasil ainda não tem uma agência para o setor. A elaboração do marco legal e a concomitante criação do órgão regulador são desafios para ontem. Caso contrário, a privatização das concessionárias, fundamental na engrenagem da repactuação da dívida dos estados, está ameaçada de escorrer ralo abaixo.

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